
A terra que pede conciliação

Há algo no ar em Palmeira dos Índios que não é o perfume das flores do oitizeiro nem o vento que desce da serra — é a tensão. Uma tensão que se espalha pelas conversas de feira, pelos grupos de WhatsApp, pelas mesas de bar e pelas manchetes dos jornais. A cidade, que tantas vezes já foi sinônimo de cultura, beleza e tradição, agora vive de punhos cerrados. De um lado, os indígenas Xukuru-Kariri, reivindicando o que chamam de “terra sagrada”. Do outro, agricultores e pequenos produtores, temerosos de perder o que chamam de “a terra da vida”. E no meio disso tudo, um povo inteiro — palmeirenses que apenas desejam paz, justiça e bom senso.
O clima é de acirramento. E isso é perigoso. Já vi esse tipo de ebulição antes — começa com palavras ditas no calor da emoção e termina em feridas que levam gerações para cicatrizar. O que se ouve nas esquinas é que a Funai e as lideranças indígenas estão prestes a concluir o levantamento das benfeitorias, e que muitos produtores, em breve, terão que deixar suas propriedades. Mas aí vem a pergunta que ecoa como martelo: para onde irão?
São homens e mulheres que fincaram estacas no chão, criaram filhos, abriram cacimbas, plantaram feijão e esperança, e agora vivem a angústia de não saber o dia de amanhã. Há, entre eles, os que herdaram pequenos sítios, pedaços de chão que não valem cifras astronômicas, mas carregam o valor de uma vida inteira de suor. Há também, claro, grandes fazendeiros — esses com advogados de renome, com acesso a gabinetes e influência em Brasília. Mas é o pequeno que sente o golpe mais fundo. É ele que vai para o barraco emprestado, para a terra seca do vizinho, para a incerteza do futuro.
E o governo federal, que tanto investe em tecnologia, em obras, em agricultura, deveria olhar com mais atenção para esse drama que se desenrola aqui. Um cálculo simples — de quem entende de terra e de gente — mostra que os 21 mil hectares em disputa representam algo em torno de 240 milhões de reais. Parece muito? Pois não é. Para a União, isso é o valor de uma avenida duplicada ou de uma ponte sobre um rio do Sul. Uma bagatela diante do sofrimento de quem, em breve, pode se ver sem teto, sem lavoura, sem destino.
É hora de sensatez. O acordo é o único caminho possível. A conciliação não é rendição; é inteligência. É compreender que não há vitória verdadeira quando há lágrimas de um lado e rancor do outro. Os indígenas têm direito ao território que lhes foi tomado; os pequenos agricultores têm direito a uma indenização justa, digna, que lhes permita recomeçar sem amargura. Não se trata de escolher um lado, mas de salvar a cidade de si mesma.
Palmeira dos Índios já vive dramas demais. São buracos nas ruas cavados pela água do sertão — metáfora perfeita para os vazios que nos acostumamos a ignorar. É a violência que ceifa jovens, como o garoto Gabriel, morto por quem deveria protegê-lo. É o escândalo que brota na política, o crime que se esconde nos gabinetes, o descaso que se repete no hospital, na escola, no saneamento. A demarcação, por mais grave que seja, é só mais uma peça desse mosaico de desatenção.
Enquanto isso, cidades vizinhas como Arapiraca seguem em outra direção. Lá se fala de VLT, de ciclovias, de teatro, de centros de convenção. É construção e inauguração — não demolição e desespero. O contraste é doloroso. Parece que, enquanto alguns aprendem a planejar o futuro, Palmeira ainda tropeça nas pedras do passado.
Mas há tempo. Sempre há tempo, enquanto houver voz e esperança. Que as lideranças políticas, indígenas e rurais sentem-se à mesa — não para medir forças, mas para construir pontes. Que o governo federal enxergue que aqui, neste chão de Graciliano Ramos, há um povo que precisa mais de diálogo do que de decreto.
Palmeira dos Índios não pode ser lembrada como a cidade da contenda, mas como a cidade da conciliação. A terra é o que nos sustenta, mas é o entendimento que nos faz permanecer de pé.
E, afinal, de que adianta ganhar território se perdermos a nossa humanidade?
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