O inevitável da terra e o conselho do bom senso

03/10/2025
O inevitável da terra e o conselho do bom senso


Ontem, quinta-feira (2), no Clube Campestre — aquele mesmo que já foi chamado de Clube dos Médicos e guardou tantas festas de outrora — realizou-se uma audiência pública promovida pela Câmara de Vereadores de Palmeira dos Índios. O espaço, escolhido como neutro, acabou sendo tomado apenas por um lado: produtores rurais, fazendeiros, pequenos agricultores, homens e mulheres do campo que carregam nos ombros o peso da incerteza. Ali, onde se deveria tratar de futuro e conciliação, acabou se erguendo um palco político. E, como tantas vezes acontece neste Brasil de discursos inflamados, a política ofuscou a essência do tema: a demarcação das terras indígenas e o destino de centenas de famílias.

Já escrevi aqui duas vezes nesta semana sobre o mesmo assunto. E volto, porque entendo que há temas que precisam ser repetidos, insistidos, como uma reza, até que sejam escutados de fato. Eu prego a conciliação. Porque todo acordo é melhor do que a ferida aberta de uma contenda interminável. A história nos ensina que batalhas jurídicas podem se arrastar por décadas, mas nunca trazem paz verdadeira: apenas tempo, desgaste e sofrimento.

O que se viu na audiência foi a tentativa de plantar esperança em terreno pedregoso. Grandes fazendeiros, empurrados pela retórica de um ex-deputado ressuscitado de um ostracismo imposto pelo povo, propôs uma espécie de salvação pela via judicial. Um jurista de Maceió, com contatos em Brasília, seria a carta na manga para reverter aquilo que, todos sabem, já não tem volta. Para isso, pediram um rateio de honorários — e, pasmem, que os pequenos agricultores, aqueles que menos têm, dividam a conta.

É aqui que mora a armadilha. Porque o que se pode conseguir judicialmente é apenas uma protelação, um adiamento. A verdade nua e crua é que o inevitável virá. A homologação das terras indígenas está em sua fase final: os técnicos da FUNAI percorrem a região com GPS, trenas e blocos de anotações, medindo cada cerca, cada curral, cada telha erguida, cada cacimba cavada. O trabalho é acompanhado pela polícia e respaldado por decisões judiciais. Não é fantasia, é processo em curso, respaldado pelo Estado brasileiro. E aquele ocupante de terras que se dispuser, poderá receber a indenização primeiro, ao invés de ficar anos nas salas da justiça aguardando sua vez.

E é inevitável que se pergunte: onde estavam esses defensores de última hora quando, anos atrás, havia espaço para construir soluções justas? Onde estava esse ex-deputado, hoje tão eloquente, quando ainda ocupava mandatos na Assembleia Legislativa? Não se viu dele um gesto em defesa dos indígenas, nem tampouco dos pequenos agricultores que agora pretende liderar. Não moveu uma palha, não ergueu uma palavra em favor da conciliação. E agora, saído do sarcófago de seu silêncio, surge como paladino, cobrando que os mais humildes paguem honorários de advogados.

É preciso dizer com todas as letras: não caiam nessa, pequenos produtores. Não paguem esse rateio. Se os grandes querem advogado, que arquem com o custo. Quem tem fazenda, gado e capital político pode pagar suas próprias contas. O agricultor que tira da enxada o feijão de sua mesa não tem esse dever. Não se deixem usar como escudo humano, nem como massa de manobra.

E ainda acusam a imprensa — sempre ela — de ser a causadora do problema. Não, senhores. A imprensa não cria problemas: informa, denuncia, traz à luz aquilo que alguns prefeririam manter nos porões. O problema existe porque políticos foram incompetentes no passado, omissos, incapazes de construir um caminho de acordo quando havia tempo. Hoje, restou apenas administrar o inevitável.

E o inevitável se chama homologação. Está dito nas entrelinhas das decisões judiciais, está declarado nos documentos oficiais do governo federal. Está sendo desenhado a cada medição de benfeitoria. É isso que virá.

Que pena, penso eu, que Palmeira dos Índios tenha chegado a esse ponto. Uma cidade que já foi exemplo de cultura, terra de Graciliano, que poderia ensinar ao país o valor da palavra dada e do acordo firmado, agora se vê dividida entre acusações, ressentimentos e interesses particulares.

Falo, sim, em tom de conselho. Aos pequenos agricultores, sobretudo: não se desesperem, não se deixem seduzir por promessas de milagres jurídicos. Procurem o diálogo, busquem conciliação, lutem por indenizações justas, porque isso lhes é de direito. Confiem que todo acordo, mesmo que amargo, é sempre menos doloroso do que a guerra prolongada.

Não sou contra ninguém. Sou a favor do bom senso. E torço, com a fé de quem ama esta terra, para que Palmeira dos Índios renasça desse litígio mais forte do que nunca, aprendendo a lição de que a justiça, quando não vem pelo acordo, vem pela imposição. E que, nesse caso, o inevitável já bate à porta.

Vladimir Barros

Vladimir Barros

É advogado militante, formado pela Universidade Federal de Alagoas e pós-graduado em Direito Processual e Docência Superior. Membro efetivo da Associação Alagoana de Imprensa (AAI) e da Associação Brasileira de Imprensa; Editor do Jornal Tribuna do Sertão. É membro da Academia Palmeirense de Letras e fundador da Rádio Cacique FM.