A rasteira: nosso esporte nacional
Em 1921, Graciliano Ramos escreveu no jornal O Índio algo que, com um toque de ironia, ainda soa como se fosse dito hoje: “A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência!” Com a habilidade de quem enxergava o mundo com lucidez amarga, Graciliano nos mostrou um retrato do Brasil de sua época – e, espantosamente, também do Brasil atual.
A rasteira, ele dizia, começa cedo, logo nas primeiras lições da vida, quando o impulso de derrubar o colega, de avançar um pouco mais do que ele, parece substituir qualquer pensamento de ética ou solidariedade. Desde a escola, trocamos a confiança no cérebro pela habilidade com as pernas, e, assim, aprendemos que derrubar o outro, contornando a falta de mérito, é uma forma “eficiente” de garantir nosso lugar. E o que parecia uma prática inocente se transforma, na vida adulta, numa tática generalizada: no comércio, na indústria, nas artes, no jornalismo. Afinal, como ele mesmo ironiza, “a rasteira triunfa.”
Mas é na política que essa habilidade chega ao ápice. Ali, a rasteira é não apenas uma técnica, mas um requisito. Políticos, ao que parece, dominam a arte como ninguém: prometem alianças para, logo em seguida, derrubar o aliado. Criam discursos apaixonados sobre ética e transparência, enquanto, nas sombras, articulam golpes sorrateiros para garantir que nada se mova sem seu aval – ou, claro, seu lucro.
É curioso como Graciliano captou tão bem essa essência traiçoeira que, desde então, parece apenas ter se aprimorado. Hoje, talvez ele se espantasse com a sofisticação da rasteira, que ganhou novos formatos e possibilidades. Se antes era praticada nas salas abafadas dos gabinetes, agora desliza habilmente nas redes sociais, em campanhas de difamação, em cortes orçamentários, e nas promessas vazias feitas com sorrisos ensaiados. A rasteira virou espetáculo público, e a plateia, em boa parte, assiste e se acostuma, como quem acompanha um esporte diário.
Graciliano termina com um conselho que, na verdade, é um aviso: “Cultivem a rasteira, amigos!” E, para quem sonha com a política, ele acrescenta que nela, sim, o sucesso é certo. Porque, como ele dizia, não há político que não a pratique. O jogo de rasteiras é tão antigo quanto o próprio poder, e a cada geração parece ganhar novos adeptos, como se fosse um rito de passagem.
E nós? De espectadores, muitas vezes nos tornamos praticantes. Aprendemos que, para avançar, a ética é um detalhe opcional. Graciliano via essa rasteira como uma praga nacional, uma tradição que atravessa décadas, gerações e partidos. O Brasil, que ele observava com um olhar crítico e um humor seco, é o mesmo de hoje, ainda marcado por esse “esporte” que parece nunca perder o fôlego.
Talvez a verdadeira provocação de Graciliano seja para que enxerguemos, com sua mesma clareza, as rasteiras que se tornaram parte do nosso cotidiano, para que possamos um dia, quem sabe, abrir espaço para outro tipo de jogo. Porque, enquanto a rasteira continuar sendo o esporte nacional, o país seguirá dando voltas no mesmo campo, sem jamais cruzar a linha de chegada.
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