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Hoje em dia

Ouve-se muito essa expressão. Quando alguém está a fazer preleções de ordem pretensamente erudita, comumente apela para o “hoje em dia”. Dos muitos que conferem as atuais condições do mundo, um exemplo: o autodeclarado culto. Ele dá-se a si próprio como habituado aos livros (do que eu desconfio) e sentencia: “Hoje em dia a juventude não lê”. Está, seja assim, mas em que tempo a juventude deu-se ao hábito da leitura? Desse alegado tanto gosto e muito convívio com a literatura, em nosso país, particularmente, nunca encontrei comento nos registros do nosso passado.
Outra coisa contra a qual se vocifera, atribuindo-a aos males de “hoje em dia”, é o “materialismo insensível”. São surtos que acometem os tomados de enlevo piedoso. Materialismo, em seu sentido vulgar, é a “maneira de viver extremamente devotada aos bens, valores e prazeres materiais” (Houaiss). Mas quando e onde o mundo teria praticado uma vida mais fraterna, igualitária e justa do que a atual? Na pré-história, quando estávamos na cadeia alimentar? Nos tempos faraônicos em que o humano era gado? Na Roma que escravizava? Na Idade Média da igreja católica queimando pessoas?
São também dignas de anotação as descomposturas morais aos “relaxamentos desavergonhados dos costumes”. Essas falas conservadoras são típicos introitos a discursos machistas. “Costumes desavergonhados”, geralmente, é a expressão que o moralista saudoso do patriarcado usa para investir contra as liberdades femininas. Aqui, de fato, a coisa desandou, só que para melhor. As porteiras morais, familiares, econômicas, jurídicas, sociais etc, que sempre reprimiram as mulheres, foram abertas em muitos lugares e, espero, serão logo rompidas noutros. Talvez melhores ideias circularão.
Não, o mundo não está pior. As condições de vida, hoje, em todos os lugares, são melhores do que em qualquer passado o foram. Isso não quer dizer que o mundo esteja justo. Não o está. Tal não permite, contudo, emprestar validade às falas piegas que imprecam contra o “sistema”, contra o “neocapitalismo”, contra “tudo o que está aí”. Se for necessário um aval com autoridade para garantir o que expresso, recorro a dois senhores que sabidamente a têm: Karl Marx e Friedrich Engels pretenderam que o capitalismo fosse superado, jamais que desse marcha à ré (Manifesto do Partido Comunista).
Nosso tempo tem muitos males, males graves. Todavia, para avaliar nosso tempo, não podemos compará-lo com ele mesmo, mas com outros tempos. Aí ele será sempre mais brando para se viver. Fiquemos nos costumes: basta perceber como as formas milenares de repressão à vida privada e ao convívio público se enfraqueceram, já não podendo evitar a construção de liberdades. Exemplos? Homens já não são donos das mulheres; menos pessoas levam a sério o rol de “pecados” das igrejas; grupos minoritários têm seus direitos reconhecidos; a exploração do trabalho tem limites.
Jamais se pensou, antes do tempo atual, em dignidade pela condição de humano em si, em busca da felicidade como direito, em amparo do Estado como regra universal. E estamos muito mais afetivos, associativos, fraternos. Não temos restrições a declarar e praticar sentimentos, existe razoável privacidade, podemos dizer nossas ideias com bastante liberdade. Não, não estamos em estado de graça, longe disso. Mas há significativa diferença entre ser um vassalo como “destino” por amarração social determinada e ser um cidadão que, se de fato não tem direitos, tem direito a buscá-los.
De efeito, nem todos gozam de cidadania, mas a condição cidadã nem existia; há abissais disparidades de renda, contudo não mais se a reserva à nobreza e ao clero; há pobres explorados e ricos privilegiados e se mantêm as condições de reprodução de vantagens, mas acabou-se a diferença legal de classes. O já conquistado não basta, é certo, mas a militância não será pelo retorno a tempos cruéis, será pela edificação do futuro. Embora alguns lastimem que “hoje em dia” os “valores sadios” estejam se deteriorando, eu celebro: eles estão, sim, sendo substituídos. Ainda bem.
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