Vida Esportiva

Dívidas, recuperação e investimentos de SAFs: o que muda com o Fair Play no futebol brasileiro

Modelo final de políticas de sustentabilidade financeira será apresentado no próximo dia 26, mas regulamento prévio já permite projetar impactos no Brasileirão

Agência O Globo - 17/11/2025
Dívidas, recuperação e investimentos de SAFs: o que muda com o Fair Play no futebol brasileiro

O futebol brasileiro entra em uma nova era de gestão, marcada por desafios e por um nível mais elevado de responsabilidade administrativa. Apresentado na última terça-feira, durante reunião do grupo de trabalho entre clubes e CBF, o modelo de Fair Play Financeiro traz mudanças significativas, especialmente no controle do endividamento e no equilíbrio entre receitas e despesas. O objetivo principal é impor práticas de responsabilidade financeira, há muito tempo negligenciadas no cenário nacional.

O regulamento, ainda em versão preliminar e sujeito a ajustes, ficou aberto a sugestões dos clubes até a última sexta-feira. A versão definitiva será apresentada no próximo dia 26, durante o Summit CBF Academy.

Entre as novas regras, destaca-se o controle rigoroso das dívidas: os clubes deverão quitar ou renegociar débitos com credores considerados essenciais, como outros clubes, atletas e treinadores. O intuito é evitar situações como a recente cobrança pública do Cuiabá ao Corinthians pelo volante Raniele, que resultou em um transfer ban ao time paulista em outubro devido ao atraso no pagamento.

Clubes em crise financeira, como o Corinthians, precisarão negociar com credores e estruturar planos de pagamento, já que o modelo determina a regularização das dívidas até novembro de 2026.

A partir de 2029, o controle será ainda mais rigoroso: as dívidas de curto prazo — aquelas com vencimento em até 12 meses — não poderão ultrapassar 45% da receita anual do clube. A proposta visa impedir que as agremiações assumam compromissos além de sua capacidade de pagamento, protegendo assim sua operação.

Investimentos

O regulamento não impõe restrições a investimentos externos, como ocorre com as SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol), que têm impulsionado o futebol brasileiro nos últimos anos. Assim, operações como a do Bahia, que contou com aporte do City Football Group para quitar dívidas, ou de Botafogo e Cruzeiro, que utilizam recursos de investidores para contratações e despesas, seguem permitidas.

No entanto, mesmo os clubes com investimentos robustos precisarão se adequar, até 2029, a uma nova regra: a folha salarial e a amortização de transferências não poderão ultrapassar 70% das receitas. Isso obriga as equipes a compatibilizarem gastos e receitas, independentemente da origem dos recursos.

Já em 2028, será necessário buscar o equilíbrio operacional: as receitas deverão superar as despesas gerais do clube, excluídas categorias de base, estrutura, futebol feminino e esportes olímpicos. O objetivo é garantir sustentabilidade e evitar o endividamento excessivo.

Para clubes de menor torcida, especialmente aqueles que raramente disputam a Série A, a geração de receitas será um desafio. O Mirassol, que montou um elenco competitivo com custos equilibrados, é apontado como exemplo a ser seguido por agremiações similares.

Recuperação judicial

O novo modelo também traz regras mais rígidas para clubes em recuperação judicial, mecanismo já utilizado por SAFs como Cruzeiro, Botafogo e, recentemente, Vasco. O clube carioca, que teve seu plano aprovado pelos credores em outubro, pode ser um dos últimos a usufruir da flexibilidade atual, já que a transição para as novas regras deve ocorrer até 2028.

Com as mudanças, clubes em recuperação judicial não poderão ampliar a folha salarial além da média anterior ao processo, nem aumentar o endividamento durante as janelas de transferências — o valor investido em contratações deve ser igual ou inferior ao das vendas.

As punições para descumprimento são progressivas e incluem advertência, multa, retenção de receitas, transfer ban, dedução de pontos e até rebaixamento. Na primeira infração, o clube poderá apresentar um plano de ação e ficará sob monitoramento. A expectativa é que a CBF crie um órgão específico para fiscalizar e garantir o cumprimento das novas regras.