Vida e Saúde
‘Há espaço para duas vacinas contra dengue no Brasil’, diz presidente da Takeda
Derek Wallace, líder da divisão de vacinas fala sobre estudo com pessoas acima de 60 anos, imunização de crianças e ampliação na produção de doses: 'Não deveremos estar em uma situação de restrição de oferta'
Neste momento, o Brasil tem duas vacinas aprovadas contra a dengue pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A mais recente delas, do Butantan, é em única dose e deve começar a ser usada nos próximos meses — recebeu o registro final nesta semana. A primeira opção desse arsenal, porém, chegou ao país em 2023 e deve permanecer no calendário vacinal do país, além de já ter espaço no mercado particular. Trata-se da QDenga, desenvolvida pela farmacêutica Takeda.
De acordo com o principal executivo da empresa justamente na área de imunizantes, Derek Wallace, a chegada da vacina do Butantan não muda o cenário de interesse da companhia no Brasil. Além disso, Wallace também afirmou, com exclusividade ao GLOBO, que a vacina deverá ser testada, a partir do ano que vem, em populações acima dos 60 anos — as mais vulneráveis para a infecção — e que os dias de falta de dose deverão ficar para trás.
Qual é o futuro da vacina da dengue da Takeda Nós olhamos para a dengue como uma doença global. E, por isso, há dois principais aspectos do trabalho em que estamos focados. Um é aumentar a oferta de doses. Temos nossa própria instalação, na qual investimos em 2016, antes mesmo de sabermos se a vacina funcionaria. Essa fábrica, na Alemanha, está produzindo e aumentando a capacidade de doses. Vamos passar de basicamente 9 milhões de doses no primeiro ano de lançamento para 100 milhões de doses produzidas por ano, em 2030. O segundo ponto é garantir que entendamos como a nossa vacina está funcionando e como otimizar o impacto que ela pode ter. E isso significa continuar essencialmente com pesquisas pós-comercialização com evidências do mundo real.
E a ampliação dos grupos a serem vacinados? Vamos começar no primeiro trimestre do ano que vem um estudo olhando para as populações com mais idade. Na Europa, a vacina tem uma faixa etária de 4 anos ou mais, não há limite de uso (no Brasil, a vacina pode ser usada dos 4 aos 59 anos e 11 meses). Isso aconteceu a pedido da agência reguladora europeia, porque essa população (de mais idade) é mais vulnerável à doença. Um dos grandes fatores de risco para dengue grave são comorbidades, então se você tem hipertensão, atrite reumatoide, diabetes e pega dengue, mesmo na infecção primária (a dengue costuma ser mais severa após repetidas infecções), o desfecho é ruim. A agência europeia, basicamente disse que acredita que o benefício é positivo e o risco é alto o suficiente para vacinar pessoas mais velhas. Alguns países seguiram a Europa, como Argentina e Vietnã, com faixa etária de 4 ou mais. Alguns países limitaram até 60, como Brasil e Indonésia.
Pode dar mais detalhes sobre o estudo? Começará no início do ano que vem. Será no Brasil, na Argentina, Singapura e Tailândia. Vai incluir pessoas de até 79 anos e também envolver quem tem comorbidades. O estudo durará 9 meses. Quero reforçar, porém, que estamos comprometidos em gerar novos dados sobre a vacina, mas o fato de ela já estar sendo usada também gera dados e confiança. E compartilhamos esses dados com os reguladores como parte da rotina, e isso os ajuda a avaliar risco e benefício em diferentes populações.
O grande desafio é, de fato, ter as doses. Pois as pessoas querem tomar a vacina. Existe plano de ampliar a produção? Temos trabalhado muito para aumentar nossa oferta. Fornecemos 18 milhões de doses ao Ministério da Saúde, nos próximos dois anos. E, nesse período, estaremos globalmente produzindo um montante de 70 milhões. Se o governo do Brasil quiser mais doses, ou se houver necessidade para o mercado privado no país, estaremos em posição de fornecer isso. Uma das razões pelas quais tivemos restrição de oferta no início foi porque tínhamos a ambição de fornecer o máximo possível para programas públicos. E a liderança do Brasil em iniciar um programa tão cedo nos desafiou, porque é um país grande. Então realmente nos esforçamos ao máximo para atender o maior número de doses possível. Fico feliz em dizer que não acho que teremos restrição de oferta no ano que vem. Se mais doses forem necessárias no Brasil, outros países terão essas doses disponíveis.
Como fica o mercado privado? Houve um tempo em que as pessoas queriam comprar doses, mas não era possível. Esse tempo acabou? Acabou. Vacinas são complexas de fazer, acho que nenhum fabricante de vacinas pode dizer que nunca terá desafios de fornecimento. Mas não deveremos estar em uma situação de restrição de oferta.
Após alguns anos, será necessário reforço das doses? Nós avaliamos um reforço após cinco anos. E, nesse período, tivemos uma persistência muito boa da eficácia. Por exemplo, a eficácia para hospitalização foi de 95% no primeiro ano. Ao final de quatro anos e meio, cumulativamente, foi de 84%. Então ela permanece muito alta. Então, não esperamos que reforço seja recomendado. Além disso, não tivemos nenhum tipo de preocupação com a segurança da vacina ao longo de 7 anos de estudo.
Qual o maior desafio que a QDenga enfrenta agora? A dengue é um problema há muito tempo, em muitos lugares, e as pessoas passaram a aceitar a existência desse risco. Acho que é uma questão da comunidade entender melhor o risco da dengue e o fato de que agora é uma doença evitável por vacina. Podemos produzir mais doses e garantir que não haja problema de abastecimento. Podemos avaliar a segurança. Podemos mostrar que a vacina funciona, mas até que a população em risco diga “eu quero a vacina”, ela não terá impacto. Então, a transição de vacina para vacinação, na minha opinião, é a parte mais difícil, porque exige que alguém diga “estou em risco dessa doença e quero tomar a vacina para preveni-la”.
A chegada da vacina da dengue do Butantan muda algo do plano da Takeda no Brasil? Não. Sabemos que há uma grande demanda por uma vacina contra a dengue.Nosso compromisso é apoiar o governo do Brasil na redução da carga de dengue no país. O governo brasileiro quer continuar trabalhando conosco e nós continuaremos trabalhando com eles. Podemos também focar em algumas áreas que seriam lacunas. A população de 4 a 12 anos pode receber nossa vacina, por exemplo. E é importante que continuemos disponibilizando nossa vacina para apoiar a prevenção da dengue nessa faixa etária (a do Butantan pode ser usada entre 12 e 59 anos, conforme registro da Anvisa). E, claro, há a disponibilidade da vacina no mercado privado, algo que precisamos continuar oferecendo. Em resumo, é bom ter mais de uma vacina. A dengue é um problema enorme. O Brasil é um país muito grande. E definitivamente há espaço para duas vacinas contra a dengue no Brasil.
Por falar em crianças menores, há planos para elas? Temos um plano pediátrico que eventualmente chegará até a idade de dois meses. Isso vai levar algum tempo porque será uma abordagem em etapas. Nesse momento, temos dados a partir de 18 meses. Sabemos que a vacina é segura a partir dessa faixa. O que faremos é gerar dados que cheguem até os 12 meses, analisando a coadministração com vacinas comuns, como sarampo, caxumba, rubéola e outras vacinas pediátricas. Ao avançar até uma população pediátrica, é preciso garantir que você possa fazer coadministração. Temos uma sequência de estudos que foi acordada com a EMA (a agência europeia). E há um compromisso de realizar vários estudos que, em sequência, vão reduzindo a idade. E o último estudo será em crianças de apenas dois meses de idade.
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