Vida e Saúde

Millennials e o câncer: por que a geração que prometia viver até os 100 anos está adoecendo mais cedo

Especialistas apontam que o avanço da doença em adultos jovens exige novas estratégias de prevenção, diagnóstico e cuidado

Agência O Globo - 22/11/2025
Millennials e o câncer: por que a geração que prometia viver até os 100 anos está adoecendo mais cedo
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Entre reuniões por videoconferência, treinos na academia e a busca constante por produtividade, há um dado que tem chamado a atenção de oncologistas no mundo todo: adultos jovens, em especial os millennials (nascidos entre 1981 e 1996), estão sendo diagnosticados com câncer com uma frequência maior do que a observada em gerações anteriores na mesma idade.

Cirurgia de emergência:

'Não vou parar':

Dados compilados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela American Cancer Society (ACS) mostram que, entre 1990 e 2019, os casos de câncer em pessoas com menos de 50 anos aumentaram cerca de 79% globalmente, enquanto a mortalidade nessa faixa etária cresceu 28%.

— Estamos diante de uma mudança significativa no perfil epidemiológico do câncer — alerta o especialista em oncologia Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas&Co e presidente do Instituto Oncoclínicas.

— A doença, que historicamente era associada ao envelhecimento, está se tornando cada vez mais frequente entre adultos jovens. Isso tem implicações clínicas, sociais e emocionais importantes — destaca.

Estilo de vida, ambiente e microbiota

A ciência não aponta um único culpado, mas sim um conjunto de fatores ambientais e comportamentais que se intensificaram nas últimas décadas. Entre eles:

Má alimentação, com alto consumo de ultraprocessados

Obesidade, muitas vezes iniciada na infância

Sedentarismo

Consumo de álcool em episódios intensos

Privação crônica de sono

Exposição a poluentes e agentes químicos

Alterações da microbiota intestinal

— A carga ambiental e o estilo de vida contemporâneo parecem ter influência direta na mudança desse padrão — destaca Carlos Gil.

O câncer colorretal é um dos exemplos mais expressivos: sua incidência entre jovens cresce de forma acelerada e está ligada à dieta, obesidade e inflamação intestinal.

Outro ponto de atenção são os cânceres relacionados ao HPV, preveníveis pela vacinação — ainda subutilizada em muitas regiões.

'A sala de espera está mudando': o alerta dos consultórios

Nos centros oncológicos, a mudança no perfil dos pacientes é cada vez mais perceptível.

— Não é raro hoje atender pessoas na faixa dos 30 ou 40 anos com tumores que, no passado, víamos quase exclusivamente após os 60 — diz o especialista em oncologia Cristiano Resende.

— E isso não significa que estamos fazendo mais exames; significa que estamos diagnosticando mais casos — alerta.

O câncer de mama segue a mesma tendência.

— Vemos um aumento expressivo de diagnósticos em mulheres com menos de 40 anos. São pacientes em plena fase produtiva, muitas vezes planejando filhos ou consolidando carreira. O impacto emocional e familiar é profundo — destaca Resende.

Ele explica que a causa é multifatorial: estilo de vida, mudanças hormonais, obesidade, sedentarismo, avanços no diagnóstico e maior identificação de componentes genéticos.

Além disso, o tratamento nessa fase envolve desafios específicos: preservação de fertilidade, afastamento do trabalho, cuidado de crianças pequenas e impacto financeiro.

— Precisamos olhar para essa geração e perguntar: estamos detectando tarde porque estamos procurando tarde? — alerta.

Detecção e prevenção

Embora terapias avançadas estejam disponíveis no setor privado, o acesso pelo SUS ainda é desigual, o que afeta especialmente jovens com tumores agressivos.

Para enfrentar a tendência de crescimento, especialistas defendem:

Revisão dos protocolos de rastreamento, especialmente para câncer colorretal

Vacinação ampla contra HPV

Políticas públicas de combate à obesidade

Promoção de hábitos saudáveis desde a infância

Atenção a sintomas gastrointestinais persistentes em jovens

— O câncer em adultos jovens não pode mais ser tratado como exceção. É uma realidade em ascensão. Precisamos falar sobre isso e agir — finaliza Cristiano Resende.

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