Vida e Saúde

'Doença do beijo' pode estar por trás do mistério do lúpus, revela nova pesquisa

Cientistas identificam como o vírus Epstein-Barr, comum na população, pode ser o gatilho para o desenvolvimento do lúpus

Agência O Globo - 15/11/2025
'Doença do beijo' pode estar por trás do mistério do lúpus, revela nova pesquisa
- Foto: Reprodução

Um dos vírus mais comuns do mundo pode estar envolvido em praticamente todos os casos de lúpus, conforme aponta um estudo recente liderado por cientistas da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Uma pesquisa revelou que o vírus Epstein-Barr (EBV), responsável pela chamada “doença do beijo” (mononucleose), pode atuar como gatilho para o desenvolvimento do lúpus eritematoso sistêmico, uma doença autoimune crônica.

Segundo os pesquisadores, o EBV consegue infectar e reprogramar células específicas do sistema imunológico, desencadeando o início da doença. “Esta é a minha descoberta mais impactante que já surgiu do meu laboratório em toda a carreira”, afirmou o imunologista William Robinson, chefe do laboratório, ao portal ScienceAlerta. “Acreditamos que isso se aplica a 100% dos casos de lúpus”.

A maioria dos adultos já foi exposta ao vírus em algum momento da vida. Em geral, o patógeno permanece latente nas células do corpo, causando poucos ou nenhum sintoma. Entretanto, em pessoas com lúpus, a infecção tende a ser mais profunda, possivelmente devido ao contato com uma cepa mais agressiva do EBV.

De acordo com o estudo, nesses pacientes, a proporção de células B (um tipo de glóbulo branco) infectadas chega a 1 em cada 400 — índice 25 vezes maior do que a coleta em indivíduos saudáveis.

Em laboratório, os cientistas observaram que a infecção pelo vírus ativo é um “interruptor” nessas células, estimulando a expressão de genes pró-inflamatórios. Esse mecanismo, segundo os autores liderados pelo imunologista Shady Younis, de Stanford, está na raiz das respostas sistêmicas autoimunes características do lúpus.

A descoberta pode ajudar a elucidar o antigo mistério sobre o que desencadeia o lúpus e por que seus sintomas se manifestam em ciclos irregulares de surtos e remissões.

O lúpus faz com que o sistema imunológico ataque equivocadamente as próprias tecidos saudáveis ​​do corpo, provocando intensamente generalizada e podendo levar a complicações graves e até fatais.

Descrita pela primeira vez em registros históricos por volta do ano 850, a doença ainda não tem causa ou cura conhecida. Sua nomenclatura deriva de manifestações que lembram mordidas de lobo, descritas por pesquisadores no século 19.

O chamado “mistério do lúpus” reside em suas características complexas, envolvendo fatores como genética, alimentação, hormônios e infecções.

Uma nova pesquisa de Stanford sugere uma explicação unificadora, relacionando a origem do lúpus à infecção viral pelo EBV.

No organismo saudável, apenas cerca de 20% das centenas de bilhões de células B são “autorreativas”, ou seja, preparadas para produzir anticorpos e ativar respostas imunológicas destrutivas. Quando o EBV infecta células B latentes, parece reverter esse estado, reativando o perfil pró-inflamatório dessas células.

Os resultados também podem ter impacto sobre outras doenças autoimunes associadas ao EBV, como esclerose múltipla, Covid longa e encefalomielite miálgica/síndrome da fadiga crônica.