Variedades
Eis o mistério da música: Pero Manzé revela Ave, Êxodo!, seu primeiro disco de estúdio e vira aposta da nova música brasileira
Álbum tem direção musical assinada por Lucas Gonçalves (Maglore), mixagem de Chico Bernardes e master de Fernando Sanches (Estúdio El Rocha)
Sob vitrais coloridos, mãos em formato de prece e reza forte, o sentido da música desperta e ganha corpo, vira milagre. Alma. Mundo. Movimenta-se sob uma liturgia com o profano e sai de andada numa procissão que reúne todos os tipos de paixões e angústias que a gente tem no decorrer da vida.
É nessa toada que dia 12 de setembro Ave, Êxodo!, disco de estreia do músico, cantor, compositor e traquitaneiro Pero Manzé eleva-se por completo, partindo das raízes numa infância cristã que foi dando lugar a uma vida adulta com fome de mundo, marcada pela arte, a engenharia e a migração:
Produzido por Lucas Gonçalves (Maglore), o álbum apresenta 11 faixas autorais de Pero Manzé e uma de Lucas (“Procissão”). “Caro Espírito Paisano” foi o único single, lançado na semana passada como um pequeno spoiler. A mix do disco é de Chico Bernardes e a master de Fernando Sanches (Estúdio El Rocha).
A procissão de Pero Manzé
Natural de Maceió, o artista vive em São Paulo há 13 anos. Encontrou na capital paulista a oportunidade de aliar seu ofício de engenheiro elétrico - “por pura nerdice e necessidade”, como ele mesmo explica -, com suas descobertas na música, formando-se sonoplasta pela SP Escola de Teatro em 2024. Atualmente, Pero Manzé também trabalha como operador de som em peças teatrais nos circuitos SESI e SESC de São Paulo.
“Me tornar oficialmente músico depois dos trinta foi uma questão grande pra mim por muito tempo. Hoje, porém, enxergo isso com outros olhos - vejo o quanto essa jornada pela tangente foi essencial, vivenciando o mundo totalmente por fora do ambiente artístico, acessando-o apenas como apreciador e, por vezes, como um 'pretenso artista’. Uma experiência que contribuiu muito para meu próprio processo criativo, enriqueceu meu repertório e inspirações”, reflete Pero Manzé, que em 2022 decidiu gravar um disco com as canções que vinha acumulando.
O álbum
“Ao avaliar minhas composições com mais cuidado, percebi a naturalidade do uso de termos cristãos nas minhas letras. Por um tempo quis renegar essa influência e tentar compor de outra forma, mas notei que aquilo tava encarnado, era parte de mim”, ele completa. “Vi que artistas que tanto admiro também tinham isso em suas letras, como é o caso do Tom Zé, Milton Nascimento, dentre outros. Decidi abraçar isso e foi aí que o disco começou a tomar forma”.
Ave, Êxodo! foi nascendo então dos processos criativos entre Pero Manzé e Lucas Gonçalves. Mergulhados em referências diversas em comum, eles passaram a dar ao álbum uma cara específica, orgânica - e ao mesmo tempo, inevitável. Os Mutantes estão ali, no fuzz rasgado que perpassa todas as canções. Fagner, Otacílio Batista e Clube da Esquina, também. E tem mais.
“Simplesmente fizemos, Lucas e eu, uma mistureba real de todas as nossas influências, que se convergiam no rock e na psicodelia dos anos 60 e 70. Trouxemos muito de Zé Ramalho em algumas canções - nesse lugar profético, apocalíptico e messiânico. Isso fica bem evidente na faixa ‘Procissão’”, detalha o cantor. “Eu também trouxe o Quinteto Violado, do sagrado misturado com o profano que eles trazem no disco ‘Missa do Vaqueiro’ (1976). De Tom Zé veio a parte mais divertida: o sampleamento e o jogo de palavras, observados especialmente nas canções ‘Ave, Êxodo’, ‘No dia em que Tom Zé Vier lhe Visitar’ e ‘Não Me Resolvo’. Elas surgiram do mesmo processo de sampleamento de sons aleatórios (violas, percussões, vozes, etc) até chegar num ritmo base que eu julguei legal pra criar a letra em cima, ou mesmo costurar letras inacabadas de canções”, detalha Pero Manzé.
No que diz respeito aos temas evocados em Ave, Êxodo!, a impressão que fica é de que estamos ouvindo uma oração subversiva, isto é, uma unidade narrativa que evoca não a Deus ou outros santos, mas sim a vida em si e o que fazemos dela.
“Trago nas canções desse álbum coisas sentidas, vividas e observadas no meu cotidiano, porém conto isso misturando minhas influências musicais ‘pagãs’ à poética das orações aos santos que ouvi desde sempre”, aponta o compositor, que foi criado numa família muito devota, estudou em colégios católicos, mas nunca se conectou totalmente àquilo tudo. Sua sensibilidade artística, porém, contribuiu para que ele conseguisse extrair a beleza dos cânticos e a poesia das orações.
Dessa graça capturada nos ritos que sua mãe e sua avó praticavam em casa, Pero Manzé cruzou com as narrativas da própria vida: “Meu êxodo de Alagoas para São Paulo e demais êxodos da vida. Meus amores, meus desejos, minhas saudades, paixões, dúvidas, medos…”, ele diz.
Força estranha
Na capa de Ave, Êxodo!, Pero Manzé nos apresenta à sua avó, Dona Marieta, quando jovem. O rosto da moça alagoana nos captura pelo olhar, escondendo um sorriso esquecido no canto da boca. É assim, pelo semblante de Dona Marieta, que seu neto nos convoca a mergulhar num álbum repleto de camadas. Não apenas às de produção musical, mas sobretudo aquelas subjetivas, contidas naturalmente nas composições de Pero Manzé.
Ele, de algum modo, nos descortina em Ave, Êxodo! a história de uma família, nutrida e unida pelo mistério mais bonito e sagrado de todos: o amor. “Me sinto privilegiado por ser a primeira pessoa que minha avó benzeu na vida, seguindo uma tradição que ela aprendeu com a mãe dela”, ele se orgulha ao falar, nos lembrando que uma prece pura tem o poder de nos acompanhar em qualquer lugar. Ave, Êxodo!
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