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Caminhos de Niterói: reunidos na cidade, prefeitos de 12 países da América Latina assinam carta com diretrizes para o combate à violência

Priorização da ação preventiva é um dos principais pontos do documento resultante da 30ª Cúpula de Mercocidades

Agência O Globo - 10/12/2025
Caminhos de Niterói: reunidos na cidade, prefeitos de 12 países da América Latina assinam carta com diretrizes para o combate à violência
Caminhos de Niterói: reunidos na cidade, prefeitos de 12 países da América Latina assinam carta com diretrizes para o combate à violência

Durante três dias, Niterói recebeu prefeitos de centenas de cidades da América Latina, autoridades internacionais e especialistas em segurança pública, resiliência e desenvolvimento urbano, além de organizações multilaterais, para discutir estratégias comuns diante dos desafios que afetam a região. Do Caminho Niemeyer às visitas técnicas a diferentes equipamentos da cidade, a 30ª Cúpula de Mercocidades: Caminhos para Cidades Resilientes, Pacíficas e Sustentáveis reuniu mais de 200 municípios e consagrou o protagonismo de Niterói no debate internacional sobre políticas urbanas.

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Ao fim do encontro, a cidade formalizou a Carta de Niterói, um documento político que reforça o compromisso das cidades latino-americanas com a segurança cidadã, a democracia, a inclusão social e o desenvolvimento sustentável. O prefeito Rodrigo Neves assumiu a presidência da Rede Mercocidades para o mandato que vai até o fim de 2026.

Ao receber o comando da principal articulação de governos locais da América do Sul, Rodrigo afirmou que o papel das cidades se tornou ainda mais estratégico em uma conjuntura marcada por instabilidade política, criminalidade organizada e crescentes desigualdades econômicas.

— Escolhemos temas fundamentais para o desenvolvimento inclusivo, democrático e sustentável das nossas cidades. O tema da segurança deve ser prioritário. Nove dos dez países mais violentos do mundo, com as maiores taxas de homicídio, estão na América Latina. Precisamos enfrentar esse debate com firmeza, mas também com humanidade. É preciso enfrentar o crime organizado. É fundamental disputar a juventude com o crime organizado nas cidades da América Latina — afirmou Rodrigo.

A Carta de Niterói, aprovada ao final da cúpula, defende soluções centradas no ser humano, baseadas em dados e com participação direta das comunidades na formulação, e avaliação das políticas públicas. O texto destaca que a violência urbana tem raízes que ultrapassam a criminalidade e estão ligadas ao aprofundamento das desigualdades e ao enfraquecimento das instituições democráticas na região. Segundo o documento, a América Latina vive um ciclo em que a concentração de riqueza aumenta enquanto a renda média diminui, alimentando frustrações sociais e discursos extremistas.

— Diante desse contexto, propomos mais diálogo, maior coesão entre nossos municípios e ampliação da cooperação descentralizada e da solidariedade para fortalecer nossas capacidades e impulsionar oportunidades de cooperação e financiamento que nos permitam encontrar soluções efetivas em direção ao desenvolvimento sustentável e saudável de nossa região — disse o prefeito de Niterói.

O documento defende o reconhecimento formal dos governos locais em organismos internacionais como ONU, União Europeia e Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), além de direito a representação política nos blocos regionais e mecanismos de financiamento que fortaleçam a autonomia municipal. Também repudia discursos de ódio e ataques a governos democraticamente eleitos, defendendo a resolução pacífica de conflitos e a proteção do Estado de Direito.

Na abertura, Rodrigo Neves antecipou que a Rede Mercocidades deve fortalecer programas de prevenção à violência urbana e criar uma escola latino-americana de gestores de segurança pública. Ele também ressaltou os avanços recentes nas áreas de mobilidade urbana, combate às desigualdades, segurança pública integrada e investimentos em educação e tecnologia na cidade que administra.

— Niterói tem mostrado que é possível construir uma cidade que cuida das pessoas, valoriza a participação popular e olha para o futuro com esperança e responsabilidade. Nosso desafio agora é seguir inovando e garantindo qualidade de vida para todos. A Niterói que queremos é uma cidade inclusiva, inovadora, que valoriza sua diversidade e aposta no desenvolvimento sustentável — disseRodrigo, abordando ainda desafios demográficos, como o envelhecimento da população e a necessidade de uma transição econômica sustentável baseada nas economias do conhecimento e verde.

Em Niterói, essa política se materializa no Pacto Contra a Violência, que combina ações das forças de segurança pública, monitoramento tecnológico e investimentos sociais. Em seis anos, segundo a prefeitura, os homicídios caíram 70%, desempenho mais acelerado do que experiências reconhecidas internacionalmente, como Medellín (Colômbia) e Nova York.

Visitas guiadas

A agenda de Mercocidades foi além das discussões dentro dos salões. A organização do evento fez questão de incluir no encontro visitas guiadas a iniciativas municipais.

No Centro Integrado de Segurança Pública (Cisp), os representantes conheceram o sistema de monitoramento que reúne Guarda Municipal, polícias Civil e Militar, Polícia Federal e órgãos operacionais, com uso de inteligência artificial e câmeras inteligentes. A delegação também visitou a Cidade da Ordem Pública, onde está a base operacional das forças municipais.

— Fiquei impressionada com a forma como Niterói combina tecnologia de vigilância com políticas sociais e treinamento profissional. É um exemplo para qualquer cidade do mundo — disse Luísa Portugal, gerente de projetos do Centro de Cooperação Internacional da Universidade de Nova York e membro da rede Peace in Our Cities.

Outra comitiva visitou o radar meteorológico de alta precisão, no Parque da Cidade, que auxilia na prevenção de desastres climáticos. Nos últimos 13 anos, o município investiu mais de R$ 1,7 bilhão em resiliência urbana, incluindo obras de contenção de encostas, drenagem e modernização tecnológica.

A cultura também integrou a programação. Delegações de diferentes países conheceram a quadra da Unidos do Viradouro, campeã do carnaval carioca, no Barreto. A escola apresentou seu trabalho comunitário, que reúne crianças, jovens e famílias da região em atividades culturais.

A cúpula contou ainda com a presença do ministro das Relações Exteriores, o niteroiense Mauro Vieira, que destacou o papel da diplomacia municipal:

— As cidades constituem a unidade básica da integração. É nelas que os avanços se traduzem em serviços, direitos e qualidade de vida. O Brasil continuará comprometido com uma integração profunda, orientada às pessoas e ao território.

O prefeito do Rio e presidente da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP), Eduardo Paes, ressaltou o caráter prático das prefeituras na implementação das políticas públicas.

— Nas cidades, não há espaço para abstrações. É preciso entregar resultado. E é nas prefeituras que conhecemos melhor o terreno onde as políticas serão implementadas — disse.

Carta de Niterói une 12 países

Representantes de cidades de 12 países da América Latina (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru, Panamá e Uruguai) assinaram no último dia 5, em Niterói, a Declaração da 30ª Cúpula de Mercocidades, documento que estabelece compromissos para a construção de territórios mais resilientes, pacíficos e sustentáveis na região.

A declaração destaca desafios enfrentados pelos municípios latino-americanos, como a concentração de riqueza, o aumento da violência urbana e as consequências cada vez mais intensas das mudanças climáticas. O documento aponta que a América Latina é responsável por 50% de todos os homicídios intencionais no mundo.

Entre os compromissos assumidos destaca-se a priorização da ação preventiva em segurança pública, com objetivo de romper ciclos intergeracionais de violência. A carta defende soluções baseadas em dados para diagnosticar as causas fundamentais da violência, garantindo participação significativa das comunidades e incorporando a perspectiva de gênero.

O documento também estabelece três perspectivas fundamentais para pensar as cidades: que sejam ambientalmente sustentáveis, centradas nas pessoas e voltadas para os cuidados. A declaração propõe ainda a criação de uma Coalizão Social Local que avance em compromissos políticos para defender direitos como moradia, alimentação e cultura.

A carta reafirma o compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e rejeita discursos de ódio e ameaças à estabilidade de governos democraticamente eleitos.