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Vivi para contar: 'A mesma enxurrada de tiros que me atingiu feriu mais três colegas', relata sargento do Bope

Jorge Martins, sargento do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), foi baleado na panturrilha ao tentar socorrer companheiros durante operação nos complexos do Alemão e da Penha, em 28 de outubro

Agência O Globo - 07/11/2025
Vivi para contar: 'A mesma enxurrada de tiros que me atingiu feriu mais três colegas', relata sargento do Bope
- Foto: Reprodução / Agência Brasil

O sargento Jorge Martins, do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), foi baleado na panturrilha ao tentar socorrer colegas durante a operação nos complexos do Alemão e da Penha, em 28 de outubro. A ação resultou em 121 mortos, incluindo quatro policiais — dois deles do Bope, companheiros de corporação do sargento. Com 15 anos de experiência no Bope, Jorge Martins recorda o momento em que, sob intensa troca de tiros, tentou resgatar colegas feridos enquanto o sangue escorria pelo uniforme. "Por esse tiro, eu não vou morrer", repetia para si mesmo, antes de improvisar um torniquete na própria perna e continuar auxiliando os demais.

Leia o depoimento do sargento Jorge Martins:

"Tenho 15 anos de Bope e 25 de Polícia Militar. Já enfrentei muitas situações, mas nenhuma como essa. Durante a operação, soubemos que colegas estavam baleados. Aqui, quando isso acontece, é automático — a gente vai ajudar. Sabemos que cada ferido precisa de pelo menos dois para carregar, então o primeiro pensamento é correr para socorrer.

Fomos dar apoio aos companheiros atingidos, mas acabamos surpreendidos também. Fui baleado na panturrilha. Quando olhei para o lado, vi que a mesma enxurrada de tiros que me atingiu também feriu mais três colegas. No total, fomos quatro.

Assim que percebi o meu ferimento, pensei: 'Por esse tiro, eu não vou morrer.' Olhei para o lado e vi que um sargento havia sido atingido na coxa — o sangue escorria rápido, a calça dele ficou vermelha. Imaginei que pudesse ter atingido a artéria femoral. Gritei para ele: 'Pula o barranco!' Rolamos juntos, porque, se o atirador disparou, é porque estava vendo a gente, então poderia atirar de novo.

Depois, falei: 'Bota o torniquete!' Um dos colegas colocou o torniquete no sargento e eu coloquei um na minha perna. Foi quando ele desmaiou, ficou muito pálido. Falei para o colega: 'Vira ele de cabeça para baixo!' Como o barranco era inclinado, as pernas dele estavam para baixo e ele perdia muito sangue. O colega começou a chamar: 'Acorda, sargento, acorda!', até que ele respirou fundo. Falei: 'Joga ele de cabeça para baixo.' Enquanto isso, outro colega foi atingido. Mesmo ferido, eu tentava ajudar os dois.

Andávamos sob uma chuva de tiros. O terreno era difícil — areia fofa, barranco alto. Chegamos a amarrar uma corda para subir. Um ajudava o outro, o fuzil passando de mão em mão. A prioridade era estabilizar o local para evitar mais feridos. Fizemos um 360, garantimos o perímetro e recuamos devagar.

Quando consegui ser levado até o blindado, meu pensamento ainda estava nos colegas. Só no hospital comecei a pensar em mim. Perguntei à médica se o tiro tinha atingido o osso, porque a perna estava bamba. Ela me encaminhou para o raio-x e depois informou: 'Não pegou o osso, mas você vai precisar de cirurgia.' Fiquei aliviado — já era uma boa notícia.

Depois da cirurgia, acordei no quarto. A primeira coisa que fiz foi perguntar pelos outros. Queria saber se tinham sobrevivido, se estavam bem."