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‘A gente tinha tanta coisa para viver. Agora, metade de mim foi embora’, desabafa mãe de jovem morto na megaoperação

Taua Brito relata ter recebido mensagem do filho Wellington, encurralado na mata, e conta como tentou, sem sucesso, resgatá-lo durante ação policial

Agência O Globo - 02/11/2025
‘A gente tinha tanta coisa para viver. Agora, metade de mim foi embora’, desabafa mãe de jovem morto na megaoperação
Foto: © Foto / Tânia Rêgo/Agência Brasil

Mães como Taua Brito enfrentam a dor de perder filhos seduzidos por promessas de dinheiro fácil, status e proteção em territórios dominados pelo tráfico. Foram dias de espera para reconhecer e sepultar os corpos — entre as 121 vítimas da operação mais letal da história do Rio de Janeiro, realizada nos complexos do Alemão e da Penha.

“Meu filho, Wellington Brito, de 20 anos, ficou encurralado lá na Mata da Vacaria, na Penha. Eu sei disso porque ele me mandou mensagem umas oito da manhã da terça-feira pedindo ajuda. Disse: ‘Mãe, vem aqui, vem me buscar’.

Na cabeça dele, se eu fosse, eles iam levar ele preso. Eu saí de casa correndo, com os documentos dele e os meus, achando que iam deixar eu subir. Eu só queria tirar ele de lá, para ele não morrer. Para ele pagar pelo que estava fazendo, mas preso, vivo.

Eu gritei para eles: ‘Eu sou mãe! Estou aqui para pegar meu filho! Se tiver que levar preso, leva, mas não mata!’. Quando consegui subir, depois que a polícia foi embora, meu filho já estava morto com um tiro na cabeça. Eu encontrei ele.

Desde então, fiquei dias na porta do IML, chorando, até que consegui que ele fosse liberado e enterrado, na sexta-feira.

Eu não defendo o que o Wellington fazia. Sou uma mãe negra, solteira, microempreendedora. Vendo bolos e doces, e luto todo dia para criar meus filhos, ele e a mais nova. Achei que ele, vendo isso, não fosse seguir esse caminho.

Sem oportunidades

Nunca apoiei a vida que ele escolheu. Mas, na favela, não temos muitas oportunidades. Ainda assim, nunca ia virar as costas para ele. Porque, antes de qualquer coisa, ele era meu filho.

O que eu sempre dizia a ele era para ter juízo e que a vida é difícil, mas que ele devia encarar tudo com responsabilidade, sem revoltas.

Eu entendo a dor das mães dos quatro policiais mortos, não é diferente da minha, porque somos mães.

Não era para ser assim. Deus não fez para ser assim. Os pais é que deviam ser enterrados pelos filhos, não o contrário.

Todas as minhas metas de vencer incluíam ele e a irmã. Agora, a metade de mim foi embora com o Wellington.

Queria acordar e ver que tudo isso foi um pesadelo. A gente ainda tinha tanta coisa para viver. Eu dizia pra ele que eu ia vencer por ele e pela irmã dele. Agora não sei lidar com o fato de que ele não vai mais chegar em casa”.

Depoimento concedido à repórter Anna Bustamante