RJ em Foco
Especialistas criticam lei que permite uso de royalties para pagamento da dívida e gasto com segurança pública
Os repasses de royalties e participações especiais têm sido fundamentais para o estado honrar o pagamento de aposentadorias de servidores e pensões. No ano passado, 69% dessa despesa foram custeados por recursos provenientes de petróleo e gás, conforme documento apresentado em audiência pública pela Comissão de Servidores Públicos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Os 31% restantes vieram de contribuições do funcionalismo e do setor patronal para o Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro (Rioprevidência), além da arrecadação com aplicações, aluguéis e venda de imóveis.
Adeus às curvas:
Rio em guerra:
Diante da importância das receitas com petróleo e gás, nova lei do Executivo, sancionada ontem pelo governador Cláudio Castro, é motivo de duras críticas desde a aprovação do projeto no plenário da Alerj, na semana passada. O texto autoriza o estado a gastar até R$ 32,9 bilhões dessa verba destinada ao Rioprevidência para quitar cotas da dívida pública do Rio com a União e usar na área de segurança até dezembro de 2026. Especialistas em Direito Administrativo e Constitucional, além de deputados da oposição, alertam que a proposta é inconstitucional.
Segundo seus críticos, a lei fere o princípio constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial do fundo, ao retirar dinheiro que pode comprometer benefícios. Entre outras questões, apontam que o uso de royalties para financiar a área de segurança não está previsto na lei federal que define como os repasses do petróleo podem ser usados.
Deputados e representantes de sindicatos de servidores públicos avisam que vão ingressar na Justiça com ação conjunta arguindo a inconstitucionalidade da lei. Têm reunião marcada amanhã, na Alerj, articulada pelo deputado Flávio Serafini (PSOL), para traçar estratégias.
— O governo quer deixar de repassar recursos vinculados ao Rioprevidência sem apresentar um estudo de impacto sobre isso e sem mostrar alternativas ao aprofundamento desse desequilíbrio — diz Serafini, que preside a Comissão de Servidores Públicos.
Edição extra do D.O.
O deputado Luiz Paulo (PSD) deu voto em separado pela inconstitucionalidade na Comissão de Constituição e Justiça da Alerj:
— A medida é profundamente destrutiva para o futuro das aposentadorias e pensões do serviço público, porque está mutilando os benefícios de quem entrou no estado antes de 2013 (os que ingressaram a partir de setembro de 2013, a minoria do funcionalismo, têm um plano diferenciado). O desvio de recursos de royalties e participações especiais acarreta descapitalização do fundo e sua sustentabilidade de longo prazo.
Castro publicou ontem, em edição extra do Diário Oficial, a sanção das leis dos royalties e da criação de um novo programa especial de parcelamento de créditos tributários (Refis).
“As duas iniciativas foram propostas pelo Governo do Estado com total responsabilidade fiscal e com o futuro do Rio de Janeiro”, disse Castro, em nota, que continuou: “com o projeto voltado ao uso de recursos excedentes de royalties fortalecemos o Tesouro estadual, sem qualquer comprometimento no pagamento de aposentadorias”.
Zona Sul:
O estado alega ainda se tratar de compensação dos valores que aportou no RioPrevidência para a cobertura de insuficiências financeiras em dez anos, num total de R$ 37,8 bilhões. Desse montante, devem ser descontados os R$ 4,9 bilhões que o governo remanejou do fundo em 2024 para pagamento da dívida com a União.
A importância do petróleo e gás para capitalizar o Rioprevidência fica clara também quando se analisa o caixa atual do fundo. De acordo com Luiz Paulo, dos R$ 5 bilhões no azul, R$ 4 bilhões são de royalties e participações.
As projeções, porém, são preocupantes. Um exercício de cálculo atuarial mostra déficit de centenas de bilhões, num horizonte de 75 anos, para os planos financeiros dos funcionários civis (menos R$ 233,9 bilhões) e militares (menos R$ 140,2 bilhões). Para o plano previdenciário (a quem ingressou no estado após setembro), é estimado superávit de R$ 1,8 bilhões.
O advogado Hermano Cabernite afirma que a nova norma pode ser alvo de ação direta de inconstitucionalidade tanto junto ao Tribunal de Justiça do Estado quanto ao Supremo Tribunal Federal. O advogado cita, por exemplo, o que considera um vício formal. Segundo ele, a alteração dos repasses só poderia ser feita através de projeto de lei complementar.
Cabernite lembra que as compensações financeiras para o Rioprevidência foram criadas por lei para garantir o equilíbrio do fundo. Segundo o advogado, a retenção de valores para pagamento de dívida rompe a destinação legal e configura desvio de finalidade e violação indireta do artigo 167 (inciso XI) da Constituição Federal. Ele cita ainda a violação do equilíbrio financeiro e atuarial (artigo 40 da Constituição Federal), mesmo com o projeto fixando o limite de 31 de dezembro de 2026 para o uso dos recursos:
— Leis temporárias também podem ser inconstitucionais, se violarem princípios permanentes.
O também advogado Tiago Francisco da Silva recorda que “a incorporação dos direitos creditórios dos royalties ao patrimônio do Rioprevidência surgiu em um contexto de profunda crise no sistema previdenciário fluminense, que ameaçava o pagamento de aposentadorias e pensões”:
— O estado, amparado pela autonomia federativa, pode organizar seu regime próprio de previdência e definir o uso de seus recursos. Mas autonomia não é salvo-conduto para comprometer o futuro. O redirecionamento dos royalties para outras despesas fragiliza o equilíbrio econômico e atuarial do Rioprevidência, requisito constitucional expresso no artigo 40 da Constituição Federal.
Quem vai pagar
Tiago ressalta que, se o caixa previdenciário perde receitas estruturais enquanto mantém obrigações crescentes, alguém pagará essa conta:
— No limite, a medida coloca em risco o núcleo essencial do direito fundamental à Previdência Social, configurando retrocesso social, posição reiteradamente repudiada pelo Supremo Tribunal Federal.
Outro especialista na área, João Darc Souza Moraes lembra que a Lei Federal 7.990, de 1989, estabelece que os recursos do petróleo podem ser usados para capitalizar a previdência, para pagar a dívida pública e até na educação. Contudo, afirma, não há previsão de uso na segurança.
O advogado destaca ainda que os recursos depositados no fundo, para uso específico na previdência, antes de a futura legislação ser sancionada, não podem ser remanejados, por vedação expressa do artigo 167 da Constituição Federal. Quanto a novos repasses, há possibilidade legal de outra destinação:
— Mas há contornos que envolvem direitos sociais, o comprometimento com a capacidade do sistema previdenciário e até a discussão sobre a necessidade de se manter esses recursos do petróleo para a preservação do fundo, uma vez que todo benefício tem que ter fonte de custeio.
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