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UPA de Costa Barros recebe mais baleados que hospitais de urgência no Rio; unidade reabre em meio a novo confronto na região

Fechada há quase um mês após invasão de criminosos, a unidade retomou os atendimentos horas após madrugada de confrontos entre facções rivais no Complexo da Pedreira. Funcionários relatam medo e pedem reforço na segurança

Agência O Globo - 27/10/2025
UPA de Costa Barros recebe mais baleados que hospitais de urgência no Rio; unidade reabre em meio a novo confronto na região

Fechada há quase um mês devido à violência armada que apavora pacientes e funcionários, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Costa Barros, na Zona Norte do Rio, reabriu nesta segunda-feira em meio a uma nova madrugada de terror. Horas antes da retomada do atendimento, um intenso confronto entre traficantes do Comando Vermelho (CV) e do Terceiro Comando Puro (TCP), facção que domina o Complexo da Pedreira, deixou quatro mortos — entre eles, uma idosa feita refém dentro de casa. A unidade, que atende mais de 300 pessoas por dia, entre janeiro e outubro de 2025, a UPA de Costa Barros recebeu 78 dos 854 baleados que deram entrada em unidades de saúde do município — número superior ao de hospitais referência e urgência na cidade, como o Miguel Couto (49), na Zona Sul, e Lourenço Jorge (54), na nova Zona Sudoeste.

Entre outras UPAs, Costa Barros também lidera: UPA de Rocha Miranda registrou 45 atendimentos a vítimas de Perfuração por Armas de Fogo (PAF) e a UPA da Cidade de Deus, 28.

Os números não mentem. O verdadeiro "cenário de guerra", como relatam funcionários da unidade, tem afastado profissionais de áreas de risco do Rio. Dos 246 funcionários da UPA de Costa Barros, 48 pediram para ser remanejados. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) recompôs o quadro com servidores que aceitaram atuar na linha de frente de um território marcado por confrontos quase diários.

Só este ano, entre janeiro e o último dia 15, clínicas da família e postos de saúde da cidade precisaram fechar mais de 800 vezes devido à violência armada — quase três interrupções por dia. Mas nenhum dado traduz o som do medo que acompanhou o trabalho de um enfermeiro na UPA de Costa Barros, na Zona Norte do Rio.

No primeiro semestre deste ano, ele atendia um paciente ferido quando um tiroteio começou nas imediações do Complexo da Pedreira, dominado pelo Terceiro Comando Puro (TCP). As balas cruzavam a rua e o barulho ecoava dentro das salas da UPA. Em pânico, os pacientes se jogaram no chão, mas ele e os colegas não podiam se abaixar: cada segundo de exposição aos disparos era uma aposta com a própria vida.

— A gente não podia parar o procedimento. Ali, em pé, era o paciente ou eu, e fizemos um juramento. Foi desesperador. Tenho filhos e esposa, e cheguei a pensar que não voltaria para casa — relata o profissional, que conseguiu transferência e pediu para não ser identificado.

Fechada após invasão

A UPA de Costa Barros, que atende em 10,5 mil pacientes por mês, estava fechada desde 30 de setembro, quando criminosos invadiram a unidade e levaram, por engano, dois pacientes internados, acreditando que um rival baleado estava sendo atendido — eles chegaram a sequestrar uma ambulância. Uma semana antes, uma operação na Pedreira resultou em um carro de uma médica da UPA atingido por disparos.

Funcionários foram orientados a colar adesivos nos carros, para identificar que trabalham na unidade.

— Quem não faz isso corre risco. Quem manda são eles — diz o enfermeiro.

Reinauguração

Os funcionários da unidade — uma das mais vulneráveis da cidade — aguardam que a Polícia Militar retire duas barricadas em ruas próximas para que ambulâncias e pacientes consigam acessar a unidade com segurança. Segundo o secretário municipal de Saúde do Rio, Daniel Soranz, a limpeza da obra da UPA ocorreu hoje "em meio a mais um tiroteio na região". A pasta cobrou das forças de segurança do Estado medidas para garantir o funcionamento seguro dos serviços de saúde da região.

— Esperamos que esta unidade seja respeitada e que não precisemos mais fechá-la por conta da violência. Estamos retirando as barricadas para que pessoas possam chegar à unidade sem obstáculos. Este é o nosso pedido para a comunidade — afirmou Soranz.

A unidade recebeu um banho de melhorias, incluindo a instalação de novas câmeras de monitoramento internas e externas, revisão de equipamentos, substituição de insumos com prazo de validade próximo e pequenos reparos estruturais.

Além da unidade, as instalações do Centro Municipal de Saúde Portus e Quitanda, em Costa Barros, também foram reabertas nesta segunda-feira. Próximo à UPA Costa Barros, o imóvel da unidade, na Rua Jorge Nogueira, S/N, foi fechado em 25 de julho, devido à insegurança. A equipe do CMS vinha desde então realizando os atendimentos nas dependências da UPA Costa Barros, mas o episódio de violência de 30 de setembro acabou interrompendo o funcionamento de ambas as unidades.

— O clima agora é de esperança por parte dos funcionários que decidiram permanecer na UPA. É uma unidade essencial para o bairro. O que esperamos é que a unidade consiga fluir normalmente. Só nesta segunda já foram 160 atendimentos. Esperamos que as forças de segurança mantenham o efetivo no local para assegurar os funcionários e pacientes — enfatizou Soranz.

O CMS Portus e Quitanda voltou a funcionar no seu imóvel original, depois que as forças policiais presentes na comunidade se comprometeram a retirar as barricadas que impediam a passagem de ambulância, pacientes e profissionais à unidade. A unidade conta com três equipes de saúde da família e atende uma região de pouco mais de 14 mil habitantes.

Confronto horas antes

De acordo com informações de policiais militares, o confronto começou quando bandidos do Complexo do Chapadão, ligados ao CV e divididos em carros, invadiram o Complexo da Pedreira, dominado pelo TCP. Moradores relataram, em redes sociais, que houve intenso tiroteio, com barulhos de explosões de bombas.

Equipes do 41º BPM (Irajá) foram acionadas para o local, fizeram um cerco e localizaram um carro sem placa na Avenida Chrisóstomo Pimentel de Oliveira, na Pavuna, bairro vizinho. Quando os PMs estavam no local, criminosos atiraram contra eles e houve confronto. Três suspeitos foram feridos e socorridos ao Hospital municipal Albert Schweitzer — um deles morreu. Outros dois foram presos e encaminhados para a 39ª DP (Pavuna).

Na comunidade da Quitanda, dois bandidos do Comando Vermelho invadiram uma casa e fizeram Marli Macedo dos Santos, de 60 anos, e parentes reféns. Criminosos rivais metralharam a residência. Marli foi atingida por um disparo na cabeça. Policiais militares foram para o local e negociaram a rendição dos criminosos. Após eles — que estavam com dois fuzis — se entregarem, Marli foi socorrida para o Albert Schweitzer, mas não resistiu.

A imagem do interior da residência revela as paredes brancas da casa marcadas por pelo menos 20 marcas de tiro. As perfurações indicam que o armamento usado pode ter sido pesado. No teto também é possível notar esfoliações.

Já Elison Nascimento Vasconcelos, de 33 anos, saía de um pago de quando foi atingido no peito. Ele foi levado para o Hospital municipal Francisco da Silva Telles, onde morreu.

Um vídeo que circula em redes sociais mostra o momento em que um grupo de pessoas que está no que parece ser uma cozinha jogados no chão e dentro de um pequeno banheiro para se proteger dos disparos. "Olha isso, meu mano, olha isso, cara", diz um homem, assustado.

Veja as regiões do Rio onde unidades de saúde mais fecharam devido à violência

O programa Acesso Mais Seguro, criado em 2009 pela SMS em parceria com a Cruz Vermelha, orienta unidades de saúde e escolas sobre quando abrir, manter ou suspender o atendimento diante de confrontos. As unidades de Atenção Primária (AP) mais afetadas, entre janeiro e outubro de 2025, estão nas regiões da Zona Norte e da Zona Oeste, onde a presença de facções e a disputa por território tornam o cotidiano das equipes de saúde ainda mais perigoso.

AP 3.3 — 189 fechamentos

Abrange bairros como Acari, Anchieta, Bento Ribeiro, Campinho, Cascadura, Cavalcanti, Coelho Neto, Colégio, Costa Barros, Engenheiro Leal, Guadalupe, Honório Gurgel, Irajá, Madureira, Marechal Hermes, Oswaldo Cruz, Parque Anchieta, Pavuna, Quintino Bocaiúva, Rocha Miranda, Turiaçu, Vaz Lobo, Vicente de Carvalho, Vila da Penha, Vila Cosmos e Vista Alegre.

AP 5.1 — 170 interrupções.

Cobre os bairros de Bangu, Campo dos Afonsos, Deodoro, Jardim Sulacap, Magalhães Bastos, Padre Miguel, Realengo, Senador Camará, Vila Militar e Vila Kennedy.

AP 5.3 — 122 fechamentos.

Inclui Jardim Palmares, Paciência, Santa Cruz e Sepetiba.

AP 3.1 — 104 interrupções.

Engloba Bancários, Bonsucesso, Brás de Pina, Cacuia, Cidade Universitária, Cocotá, Complexo do Alemão, Cordovil, Freguesia (Ilha), Galeão, Ilha do Governador, Jardim América, Jardim Carioca, Jardim Guanabara, Manguinhos, Maré, Olaria, Parada de Lucas, Penha, Penha Circular, Ramos e Vigário Geral.

AP 3.2 — 86 fechamentos.

Reúne Abolição, Água Santa, Cachambi, Del Castilho, Engenho da Rainha, Engenho de Dentro, Engenho Novo, Inhaúma, Jacarezinho, Jacaré, Lins de Vasconcelos, Méier, Piedade, Pilares, Riachuelo, Rocha, Sampaio, Todos os Santos e Tomás Coelho.

AP 4.0 — 68 fechamentos.

Compreende Barra da Tijuca, Anil, Camorim, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia (Jacarepaguá), Gardênia Azul, Praça Seca, Recreio dos Bandeirantes, Taquara, Tanque, Vargem Grande, Vargem Pequena e Vila Valqueire.

AP 2.2 — 28 fechamentos

Abrange Alto da Boa Vista, Andaraí, Grajaú, Maracanã, Praça da Bandeira, Tijuca e Vila Isabel.

AP 1.0 — 8 fechamentos

Cobre Benfica, Caju, Catumbi, Centro, Cidade Nova, Estácio, Gamboa, Lapa, Mangueira, Paquetá, Rio Comprido, Santa Teresa, Santo Cristo, Saúde e Vasco da Gama.

AP 2.1 — 4 registros

Inclui Botafogo, Catete, Copacabana, Cosme Velho, Flamengo, Gávea, Glória, Humaitá, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, Laranjeiras, Leblon, Leme, Rocinha, São Conrado, Urca e Vidigal.

AP 5.2 — 5 fechamentos

Cobre Barra de Guaratiba, Campo Grande, Cosmos, Guaratiba, Inhoaíba, Jardim Maravilha, Pedra de Guaratiba, Santíssimo e Senador Vasconcelos.