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'Foi desesperador', diz enfermeiro de UPA de Costa Barros que atendeu paciente em meio ao tiroteio

Só este ano, entre janeiro e o último dia 15, clínicas da família e postos de saúde precisaram fechar 784 vezes devido à violência armada — quase três interrupções por dia.

Agência O Globo - 26/10/2025
'Foi desesperador', diz enfermeiro de UPA de Costa Barros que  atendeu paciente em meio ao tiroteio
- Foto: Depositphotos

O enfermeiro, que prefere não se identificar, não se esquece do medo que acompanhou durante a realização de seu trabalho na UPA de Costa Barros, na Zona Norte do Rio. No primeiro semestre deste ano, ele atendia um paciente ferido quando um tiroteio começou nas imediações do Complexo da Pedreira, dominado pelo Terceiro Comando Puro (TCP).

Violência:

Cartão-postal do Rio:

As balas cruzavam a rua e o barulho ecoava dentro das salas da UPA. Em pânico, os pacientes se jogaram no chão, mas ele e os colegas não podiam se abaixar: cada segundo de exposição aos disparos era uma aposta com a própria vida.

— A gente não podia parar o procedimento. Ali, em pé, era o paciente ou eu, e fizemos um juramento. Foi desesperador. Tenho filhos e esposa, e cheguei a pensar que não voltaria para casa — relata o profissional, que conseguiu transferência.

Vídeo:

O drama serve para exemplificar casos em que o profissional que veste o jaleco branco em áreas de risco do Rio fica, muitas vezes, na mesma linha de tiro de quem usa o colete à prova de balas. Só este ano, entre janeiro e o último dia 15, clínicas da família e postos de saúde precisaram fechar 784 vezes devido à violência armada — quase três interrupções por dia.

No município, funcionários seguem o programa Acesso Mais Seguro, criado em 2009 com a Cruz Vermelha: trata-se de um “protocolo de guerra” que orienta unidades de saúde e escolas sobre abrir, manter ou suspender atividades diante de confrontos.

Nova área de lazer:

A UPA de Costa Barros está fechada desde 30 de setembro, quando criminosos invadiram a unidade e levaram, por engano, dois pacientes internados, acreditando que um rival baleado estava sendo atendido — eles chegaram a sequestrar uma ambulância. Uma semana antes, uma operação na Pedreira resultou em um carro de uma médica da UPA atingido por disparos.

Funcionários foram orientados a colar adesivos nos carros, para identificar que trabalham na unidade.

Carnaval 2026:

— Quem não faz isso corre risco. Quem manda são eles — diz o enfermeiro.

Só nessa unidade, 78 baleados deram entrada entre janeiro e setembro de 2025, 69% a mais do que em todo o ano passado. Na rede municipal, até o último dia 22, foram 855 atendimentos a baleados.

Ainda em setembro, 13 horas antes de homens armados invadirem o Hospital Municipal Pedro II, em Santa Cruz, na Zona Oeste, atrás de um paciente baleado, a equipe de enfermagem relatou tensão e coação durante o plantão.

— O paciente chegou acompanhado. Eles falaram: ‘ninguém mete a mão no celular’ — conta uma enfermeira.

'Rua do perdeu', no Leblon, na Zona Sul:

Integridade sob ataque

Desde 2023, a SMS aponta em documentos, aos quais o GLOBO teve acesso, a falta de agentes de segurança fixos em postos de urgência e emergência. Ofícios enviados à Polícia Militar e à Secretaria de Segurança Pública (Sesp) pediam recomposição de postos e viaturas em unidades, alertando para o risco à integridade de servidores e pacientes.

— Precisamos de uma posição da Secretaria de Segurança e de medidas concretas. Na última quinta, um tiroteio atingiu três vezes a clínica da Fazenda Botafogo e deixou pacientes e funcionários em pânico — afirma Daniel Soranz, secretário municipal de Saúde do Rio.

Confira a previsão do tempo:

A PM respondeu que o município pode recorrer a 150 vagas diárias do Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis), com policiais voluntários pagos pela prefeitura. Além disso, informou que a região de Costa Barros está ocupada por tempo indeterminado e que “mantém diálogo aberto com a população e com instituições públicas, incluindo a Secretaria municipal de Saúde, para assegurar a prestação do serviço de saúde pública acessível a todos”.

Já a Sesp disse “intensificar ações integradas” e um “planejamento conjunto com os comandos das polícias Civil e Militar” para enfrentar o problema.

Foto: https://depositphotos.com/