Política

Marco Temporal: Gilmar Mendes vota a favor dos povos indígenas e desmonta pilares da nova lei aprovada pelo Congresso

15/12/2025
Marco Temporal: Gilmar Mendes vota a favor dos povos indígenas e desmonta pilares da nova lei aprovada pelo Congresso
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes - Foto: Reprodução

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu mais um capítulo decisivo sobre a disputa jurídica envolvendo o marco temporal ao votar contra a tese que limita os direitos territoriais indígenas às áreas ocupadas ou disputadas até 5 de outubro de 1988 — data da promulgação da Constituição. A tese, declarada inconstitucional pelo STF em 2023, voltou ao centro do debate após o Congresso Nacional aprovar uma PEC que tenta reinserir o marco temporal no texto constitucional.

Agora, os ministros analisam se a chamada Lei do Marco Temporal pode prevalecer mesmo diante da decisão tomada em 2023. Relator das ações, Gilmar Mendes antecipou a apreciação do tema — antes prevista apenas para o próximo ano — e convocou uma sessão extraordinária para tratar exclusivamente do assunto. O julgamento ocorre no plenário virtual e se estenderá até quinta-feira (18).



Voto firme contra o marco temporal



No voto apresentado, Gilmar Mendes rejeitou a limitação territorial baseada no marco temporal e defendeu a derrubada de trechos essenciais da nova lei, entre eles:

a proibição de ampliação de terras já demarcadas;

as restrições que dificultam ou inviabilizam processos de demarcação;

exigências de comprovação retroativa da presença indígena antes de 1988.

Para o ministro, a lei produz insegurança jurídica, distorce o espírito da Constituição e ignora a violência histórica sofrida pelos povos originários. Gilmar destacou que a tese legislativa pretende impor “um critério de difícil comprovação” a comunidades que, por perseguições, remoções forçadas e massacres, muitas vezes foram impedidas de permanecer em seus territórios tradicionais.

Em seu voto, escreveu:

“Nossa sociedade não pode conviver com chagas abertas séculos atrás que ainda dependem de solução nos dias de hoje, demandando espírito público, republicano e humano de todos os cidadãos brasileiros — indígenas e não indígenas. Precisamos de outras salvaguardas mínimas para conduzir o debate sobre o conflito no campo, sem a fixação de um marco temporal em 1988.”

O ministro também propôs que a União conclua todos os processos de demarcação pendentes em até dez anos, estabelecendo um marco de gestão para evitar indefinições permanentes.

Permanência garantida até indenização e participação ampliada de estados e municípios

Gilmar Mendes manteve, em seu voto, a regra que assegura aos ocupantes atuais das áreas reivindicadas o direito de permanecer até o pagamento integral de indenização — ponto sensível para produtores rurais afetados por futuras demarcações.

Ele também reconheceu a possibilidade de participação de estados e municípios nos procedimentos de demarcação, medida que, segundo o ministro, traz mais colaboração, fiscalização e equilíbrio institucional. A inclusão, no entanto, não reduz a autoridade final da União no processo.



Reações divididas no Congresso e na sociedade



A decisão do relator provocou reações imediatas:

Movimentos indígenas, setores progressistas e partidos de esquerda celebraram o voto e reforçaram que a nova lei é uma tentativa de driblar a decisão do STF, além de agravar conflitos no campo e estimular invasões.

Representantes do agronegócio e parlamentares do centro e da direita criticaram a posição de Gilmar Mendes, afirmando que o marco temporal oferece segurança jurídica a produtores e estabelece um critério claro para resolver disputas territoriais.

Esses grupos defendem que, sem um parâmetro objetivo como 1988, o país ficará sujeito a contestações infindáveis, afetando propriedades, investimentos e a economia rural.



Julgamento perto do recesso e com possibilidade de adiamento



A análise do caso ocorre na última semana de atividades da Corte antes do recesso do Judiciário. Caso algum ministro peça destaque — o que levaria o processo ao plenário físico — o julgamento poderá ser adiado para 2026, prolongando ainda mais o impasse entre indígenas, governo federal, Congresso e produtores rurais.

A votação segue aberta no plenário virtual até quinta-feira (18), mas o posicionamento de Gilmar Mendes já sinaliza que o futuro da lei aprovada pelo Congresso ficará, mais uma vez, nas mãos da interpretação constitucional do STF.