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Risco de fuga após tornozeleira dificulta situação de Bolsonaro, mas saúde pode ser decisiva para prisão domiciliar

Especialistas apontam que ex-presidente pode voltar a pleitear regime domiciliar se comprovar ato impensado e agravamento do quadro de saúde

Agência O Globo - 24/11/2025
Risco de fuga após tornozeleira dificulta situação de Bolsonaro, mas saúde pode ser decisiva para prisão domiciliar
O ex-presidente Jair Bolsonaro - Foto: Reprodução / Agência Brasil

Apesar das evidências de risco de fuga, juristas ouvidos pela Tribuna do Sertão avaliam que a saúde do ex-presidente Jair Bolsonaro tende a ser o fator determinante para um eventual retorno à prisão domiciliar. O dano causado à tornozeleira eletrônica com uma solda, admitido por Bolsonaro na madrugada de sábado, complica o pedido da defesa para que ele cumpra a pena de 27 anos de prisão pela tentativa de golpe em regime domiciliar. Contudo, os especialistas ponderam que a comprovação de problemas físicos ou mentais graves pode pesar mais para o Supremo Tribunal Federal (STF) na análise da execução penal.

Desde o início de agosto, Bolsonaro estava em prisão domiciliar devido ao descumprimento de medidas cautelares de outro inquérito, que o proibiam de utilizar redes sociais. Após a condenação no caso da tentativa de golpe, o ministro Alexandre de Moraes determinou, no sábado, a transferência do ex-presidente para prisão preventiva na sede da Polícia Federal em Brasília, citando risco de fuga.

Perícia médica pode ser determinante

Para Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, embora o descumprimento reiterado de decisões judiciais “diminua o grau de confiança” no ex-presidente, o fator decisivo para uma eventual prisão domiciliar será a necessidade de cuidados de saúde. “Se houver laudo médico indicando risco de morte na prisão, qualquer juiz poderá conceder o regime domiciliar. Nesse caso, seria necessário reforço de segurança na residência para garantir o cumprimento da pena”, afirma Bottino.

O advogado criminalista Fernando Hideo, doutor em Direito Penal pela PUC-SP, ressalta que o uso de solda para danificar a tornozeleira eletrônica é “fundamento legítimo para a decretação de prisão preventiva, mas não interfere na análise futura de regime domiciliar”. Segundo ele, a defesa deverá comprovar a existência de doença grave e a impossibilidade de o sistema prisional oferecer assistência médica adequada. “Sem esses dois elementos, não há base para substituir o cumprimento da pena pelo regime domiciliar”, observa.

Especialistas apontam ainda que tanto Moraes quanto a defesa podem solicitar uma perícia médica realizada por agentes públicos para atestar a real condição de saúde de Bolsonaro. Até o momento, os laudos apresentados ao STF foram assinados por médicos particulares do ex-presidente, que alegam um quadro de “confusão mental” devido à ingestão de medicamentos, o que teria levado ao dano na tornozeleira.

Para Jacqueline Valles, mestre em Direito Penal, a violação do equipamento compromete uma condição básica para o cumprimento da pena em casa, mas a alegação de confusão mental “pode ser considerada”. “Seria necessário um laudo médico ou psiquiátrico que atestasse, em tese, a ocorrência de um ato impensado, fora da vontade do ex-presidente”, explica Valles.

Defesa alega alucinação

Na tentativa de justificar a ação, a defesa de Bolsonaro afirmou que ele teria tido uma “alucinação” sobre uma suposta escuta instalada na tornozeleira, e que o uso da solda não foi uma tentativa de retirar o dispositivo. Os advogados solicitaram ainda que o ministro Alexandre de Moraes reconsidere o pedido de prisão domiciliar feito no dia 21, mesmo após o esgotamento dos recursos no caso da tentativa de golpe.

Daniel Raizman, professor de Direito Penal e Criminologia da UFF, destaca que esse argumento exige provas robustas e demonstração de garantias para aplicação de medidas menos graves do que a prisão. “O juiz precisaria avaliar se o quadro de confusão mental é compatível com o uso preciso de um instrumento perigoso, como a solda, em um objeto no próprio corpo, sem causar ferimentos”, pondera Raizman.