Poder e Governo

Lula e Castro não se falam e acentuam distância na pauta de segurança

Petista evitou citar governador após megaoperação e repete embates entre governos que marcaram gestões passadas

Agência O Globo - 06/11/2025
Lula e Castro não se falam e acentuam distância na pauta de segurança
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Foto: © AP Photo / Eraldo Peres

Mais de uma semana epois da operação que deixou 121 mortos no Alemão e na Penha, o presidente Luiz Inácio da Silva e o governador do Rio, (PL), ainda não conversaram. O episódio representa o momento mais agudo da dinâmica ruim entre os governos na segurança pública desde 2023 e engrossa o histórico de relações conturbadas entre presidentes e governadores do estado. A falta de sintonia também emperra o avanço de agendas legislativas, com cada lado defendendo pautas distintas, e de operações conjuntas de combate à violência.

Investigação:

Na Bahia:

Após reiteradas exaltações de Castro à operação e críticas ao governo federal, Lula fez na terça-feira a primeira declaração contundente contra a incursão ao chamá-la de “matança”. Conforme noticiou a colunista Malu Gaspar, do GLOBO, auxiliares tentavam nos últimos dias uma aproximação entre os dois para falar do tema fiscal, mas o comentário do presidente ceifou a possibilidade. Em público, o governador ainda não citou nominalmente o presidente, mas se vangloria a interlocutores de ter “jogado Lula na lona”, como noticiou o colunista Lauro Jardim.

Os anúncios das duas partes após a operação também foram lidos mais como movimentos políticos do que efetivos. Castro convidou outros governadores para o Palácio Guanabara e anunciou um “Consórcio da Paz”. Antes, o ministro da Justiça e Segurança Pública, , tinha ido ao Rio e divulgado ao lado do governador a criação de um escritório integrado emergencial.

Crítica na Cidade de Deus

O primeiro ano deste mandato já tinha registrado rusgas entre o presidente e Castro por causa da segurança. Em evento na Zona Oeste do Rio, o governador se viu numa saia-justa quando o petista criticou operação da Polícia Militar que resultou na morte de um adolescente na Cidade de Deus. Dirigindo-se a Castro, Lula chamou o policial responsável pela ação de “despreparado” e disse que a polícia precisa saber diferenciar “o que é um bandido e o que é um pobre que anda na rua”.

O discurso de Lula se materializou dois anos depois, com a apresentação da PEC da Segurança — o objetivo é ampliar a atuação federal na área e incentivar a integração com os estados. A medida, contudo, foi criticada por Castro e outros governadores, que enxergam riscos de intromissão em prerrogativas estaduais, como o policiamento ostensivo. Agora, a divergência se dá também no debate sobre o projeto que equipara facções criminosas como CV e PCC a grupos terroristas: o Planalto é contra, e o governo do Rio, a favor.

Em outros momentos, como em entrevista ao GLOBO no início do ano, Castro criticou também o trabalho “muito ruim” do governo federal no controle de fronteiras. Além da segurança, pautas econômicas, sobretudo a renegociação da dívida do estado, colocaram os dois em colisão.

A despeito de ter agitado a política nacional, a desavença de Castro não tem como pano de fundo um dos traços mais marcantes da história recente do Rio: as pretensões presidenciais de governadores que levaram a rompimentos com presidentes. Leonel Brizola e , por exemplo, foram candidatos ao Planalto depois de mandatos no Guanabara — em 1989 e 2002, respectivamente. No passado recente, foi a vez de dizer, logo no início da gestão, que gostaria de concorrer. A intenção não pegou nada bem no governo de Jair Bolsonaro, de quem virou inimigo.

Já o embate em torno da pauta de segurança é comum na relação entre os governos. Um dos raros alinhamentos se deu durante os governo Lula e , que viabilizou o projeto de retomada do território dominado por facções, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

— Foi um momento único de alinhamento triplo (o prefeito era ). Isso deu fôlego às políticas públicas do Rio, junto com o aumento do preço do petróleo. Mas, mesmo naquele período, a postura do governo federal na área de segurança foi de não se meter. O que fez foi dar dinheiro, recursos — afirma a historiadora Marly Motta, professora aposentada da FGV CPDOC.

Décadas de desavenças

Autora do livro “E agora, Rio? Um estado em busca de um autor”, Motta classifica como “vaivém” a relação entre governadores e presidentes. O histórico conturbado começou com Leonel Brizola e José Sarney, no início da Nova República. De lá para cá, houve breves momentos de boa convivência, como entre Marcello Alencar e Fernando Henrique Cardoso — que chegaram a fazer convênio para o combate à criminalidade —, mas também diversos embates.

Garotinho, no final da década de 1990, via o Guanabara como trampolim para a Presidência, em oposição ao PSDB de Fernando Henrique Cardoso. Terceiro colocado em 2002, apoiou Lula no segundo turno, mas rompeu com o PT. O governo de sua sucessora e esposa, Rosinha, marcou um afastamento total do petista.

— Teve um desentendimento com o PT no governo Garotinho por conta da política de segurança, na qual o governador deu um cavalo de pau quando demitiu o (assessor) Luiz Eduardo Soares — recorda Marly Motta. — A Rosinha, com Lula já presidente, fez desfeitas com ele, a relação minguou. Antes, era boa porque Lula bancou apoio a Garotinho em 1998, tirando candidatura do PT e colocando Benedita da Silva de vice.

Depois do período atípico com Cabral e antes de Witzel, passou pelo maior processo de ingerência que o governo federal fez no estado. Determinada por Michel Temer, correligionário de Pezão no MDB, a intervenção federal na segurança do Rio, em 2018, colocou forças federais no comando da área por um ano — o que ajudou a desmoralizar politicamente o governador, que já havia enfrentado a maior crise fiscal da história do Rio.