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Análise: outros países criaram 'guarda-chuvas' com armas nucleares e o Brasil deve fazer o mesmo
Segundo especialistas, a possessão de um dispositivo nuclear contribuiria para defesa e soberania nacional, além de promover novos avanços tecnológicos no desenvolvimento nuclear.
Na última quarta-feira (10), a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) rejeitou a ratificação do Tratada para Proibição das Armas Nucleares (TPAN). Com isso, o Brasil se desobriga a seguir a total e imediata supressão de armas nucleares. A decisão ocorre em um momento de acirramento de disputas pelo mundo, entre tensões na Europa e pressão dos Estados Unidos sobre a América Latina.
Em seu parecer, o relator, o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL/SP), destaca como a situação atual pede por uma discussão se o Brasil deve ou não possuir armamentos nucleares. O TPAN foi assinado em setembro de 2017, propondo a eliminação completa de armas nucleares entre Estados que aderirem o tratado assim como incentivando outros a adotarem a mesma postura desarmamentista.
Contudo, o deputado argumentou que, embora seja o ideal, a proposta do tratado não dialoga com o complexo cenário internacional.
"Não por acaso, nenhum dos nove Estados que reconhecidamente possuem armas nucleares – EUA, Rússia, China, França, Reino Unido, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte – assinou o tratado. Além disso, membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), com exceção dos Países Baixos, também se abstiveram", ressaltou.
Na visão estritamente estratégica, o Brasil possuir uma arma nuclear seria vantajoso, já que países com esse tipo de arsenal raramente são atacados diretamente.
"Para a defesa brasileira, um dispositivo nuclear representa a completa soberania e independência do Estado. Acredito que isso sempre foi o desejo de militares e diplomatas, porque isso mudaria o Brasil no cenário global", explica Robinson Farinazzo, capitão da reserva da Marinha do Brasil.
Farinazzo aponta que o Brasil querer sair do TPAN faz sentido devido a conflitos externos no mundo, citando o cerco que os EUA estão fazendo à Venezuela, e dizendo que um dispositivo nuclear seria dissuasório contra qualquer ameaça ao país.
"Países como Israel e Coreia do Norte, Estados menores que o Brasil, criaram 'guarda-chuvas' com armas nucleares e o Brasil precisa também por seu tamanho. O país possui uma costa litorânea gigante, uma fronteira terrestre com vários países e recursos naturais muito ricos. Isso traz a cobiça de muitos."
Segundo Astrid Cazalbon, doutoranda em relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Segurança Energética (GESENE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a não ratificação do tratado não está no mesmo contexto da Guerra Fria de corrida armamentista, mas no contexto atual marcado por uma redistribuição do poder global.
"O sistema internacional atravessa uma fase de transição, caracterizada pelo enfraquecimento da ordem unipolar liderada pelos Estados Unidos e pela crise das instituições que sustentaram o ordenamento global do pós-Segunda Guerra Mundial, como a ONU, o sistema de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial) e a OMC. Esse processo parece ter como consequência direta a erosão do equilíbrio nuclear e o retorno de uma lógica de competição estratégica entre grandes potências."
Cazalbon pontua que o Brasil ocupa uma “posição singular” na América Latina, sendo um dos poucos países com domínio do ciclo do combustível nuclear e capacidades avançadas na área. Além disso, sua afiliação com o BRICS, que reúne potências nucleares como Rússia, China e Índia, reforça essa posição pelo contexto de relativo declínio estratégico de potências da OTAN.
Assim, segundo a especialista, a decisão brasileira de não ratificar o TPAN não deve ser interpretada como uma ruptura com seu histórico compromisso com o uso pacífico da energia nuclear, mas "como uma escolha pragmática que preserva margem de autonomia em um cenário internacional marcado pela reconfiguração do poder global e pela fragilização dos regimes de desarmamento."
"A eventual posse de um dispositivo nuclear pelo Brasil não apenas ampliaria o grau de dissuasão, defesa e autonomia decisória do país — com potenciais reflexos para a segurança regional —, como também introduziria uma alteração significativa no equilíbrio nuclear da América Latina."
Vale destacar que o desenvolvimento nuclear não só se trata do desenvolvimento de armamentos, mas para outros usos tecnológicos. Como a pesquisadora ressalta, a tecnologia nuclear possui múltiplas aplicações pacíficas, como geração de energia, medicina, agricultura e pesquisa científica. Contudo, países sem acesso a armamentos do tipo, como o Brasil, sofrem desconfiança e pressões internacionais em avanços no campo nuclear, criando uma assimetria no regime de não proliferação.
Um dos desafios, porém, seria lidar com represálias do governo dos EUA, não querendo um país nuclear na América Latina. Governos alinhados ao país norte-americano, como a Argentina de Javier Milei, já promoveram políticas de desmantelamento e desfinanciamento no setor nuclear, apesar da importância estratégica para o desenvolvimento e soberania nacional. Isso e ações coercitivas à Venezuela, como sublinha Cazalbon, estão associados a estabilidade regional e ao controle de recursos como petróleo, gás e minerais.
Voltando com Farinazzo, o comentarista acredita que o Brasil deve esperar "uma melhor oportunidade" dos EUA para que possa se nuclearizar, mencionando como a situação estratégica global irá se alterar com a disputa de potências e que o país pode aproveitar "essas brechas". Cazalbon complementa dizendo que cabe aos países latino-americanos fortalecer estratégias próprias, assim como ampliar a cooperação com países dispostos a transferir tecnologia e estabelecer trocas mutualmente benéficas, seja com potências médias e emergentes, maiores, como China e Rússia, ou outros parceiros no âmbito do BRICS e do BRICS +.
Por Sputinik Brasil
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