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Uruguai deve 'continuar pressionando o Mercosul' para fortalecer laços com a China, diz especialista

Sputinik Brasil 06/11/2025
Uruguai deve 'continuar pressionando o Mercosul' para fortalecer laços com a China, diz especialista
Foto: © Divulgação / Presidência do Uruguai

O presidente uruguaio, Yamandú Orsi, anunciou uma viagem à China e a intenção de relançar as relações com o país, que se baseiam em um acordo de livre comércio com Pequim. Especialistas consultados pela Sputnik detalharam a importância do país sul-americano para o gigante asiático.

Desde que o então presidente uruguaio, Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020), anunciou a possibilidade de assinatura de um acordo de livre comércio entre Uruguai e China em 2016, o pequeno país sul-americano busca se posicionar como porta de entrada para que o gigante asiático finalize tal acordo com o Mercosul.

A relutância da Argentina e do Brasil, com um longa tradição de proteger as respectivas indústrias, impediu que o desejo do Uruguai prosperasse, embora as intenções de Vázquez tenham sido continuadas pelo sucessor Luis Lacalle Pou (2020-2025), de orientação política diferente.

A falta de vontade dos principais países sul-americanos em firmar um acordo de livre comércio não apenas paralisou o acordo do Mercosul, como também inviabilizou a possibilidade de um tratado bilateral entre Montevidéu e Pequim, visto que os estatutos do bloco sul-americano só permitem acordos com a autorização de todos os membros.

Mas, quando as possibilidades de estreitamento dos laços entre a China e o Uruguai pareciam congeladas, o presidente Orsi recebeu o vice-primeiro-ministro chinês, Ding Xuexiang, em 4 de novembro, e anunciou uma visita oficial ao gigante asiático "antes de março de 2026".

Em uma coletiva de imprensa após o encontro, o ministro das Relações Exteriores, Mario Lubetkin, afirmou que "as autoridades chinesas têm grandes expectativas quanto ao papel que o Uruguai poderá desempenhar ao assumir a presidência do Mercosul em julho do próximo ano".

A porta de entrada para o Mercosul

Em entrevista à Sputnik, o especialista uruguaio em negócios internacionais Marcos Soto saudou o compromisso contínuo do governo Orsi com a cooperação com a China. No entanto, expressou cautela quanto à possibilidade de um acordo comercial ser finalizado.

"Os obstáculos que impediram o Uruguai de avançar (em um acordo de livre comércio entre a China e o Mercosul) no passado permanecem, e pensar que esses obstáculos desapareceram não parece refletir a realidade", alertou o especialista, figura de destaque na Escola de Negócios da Universidade Católica do Uruguai.

A esse respeito, Soto observou que ainda não há consenso dentro do Mercosul "que permita que essa questão seja abordada de forma clara e decisiva". Embora reconheça que a China e o Brasil parecem estar atualmente "em ótimos termos", insistiu que "as condições ainda não são adequadas" para que o bloco avance com tal acordo, apesar da insistência do Uruguai.

Por sua vez, o analista internacional uruguaio Ignacio Bartesaghi declarou a esta publicação que, apesar das dificuldades, o Uruguai deve garantir que "mantenha viva a possibilidade" de um acordo com Pequim e "continue pressionando o Mercosul para que reaja e finalmente dê o passo com a potência asiática, que é seu principal parceiro comercial".

Bartesaghi insistiu que "o Uruguai deve liderar essa reaproximação", em um contexto no qual o Paraguai mantém laços com Taiwan, a Argentina parece "tão próxima dos EUA" e o Brasil permanece hesitante. "Espero que a visita oficial anunciada coloque o assunto de volta na mesa, porque é fundamental para o desenvolvimento econômico do Uruguai", observou.

Mas o interesse na relação Montevidéu-Pequim não é exclusivo do Uruguai. Bartesaghi enfatizou que o gigante asiático "sempre valorizou o Uruguai", algo que "é frequentemente mal interpretado porque se diz que o país é pequeno demais para atrair a atenção da potência asiática".

"O Uruguai é um parceiro estratégico para a China porque sabe que é o único membro do Mercosul que deseja um acordo comercial com Pequim, o que seria o primeiro passo para que os outros membros do Mercosul seguissem o exemplo", explicou o analista.

Pequeno, mas estratégico

Segundo Bartesaghi, o governo chinês está ciente de que a relação com o Uruguai “ainda tem grande potencial”, mas parece estar esperando que o país sul-americano promova avanços concretos além da assinatura de memorandos de entendimento, da Parceria Estratégica Abrangente existente entre os dois países ou da participação na Iniciativa Cinturão e Rota.

"Para a China, é importante que o Uruguai proponha o que fazer dentro dessa estrutura, e às vezes ficamos aquém porque não temos uma estratégia nacional claramente definida e acordada para a integração internacional", acrescentou.

Na opinião de Soto, o Uruguai pode alavancar seus "sistemas de produção para atrair investimentos estrangeiros e se tornar uma porta de entrada para a região", tanto em termos de programas de incentivo e importação de matérias-primas, quanto em zonas de livre comércio autorizadas a exportar, por exemplo, para o Brasil.

O especialista acrescentou outro elemento que poderia destacá-lo como um parceiro preferencial da China na região: ter permanecido "fora" da grande guerra comercial entre os EUA e o gigante asiático.

"O tamanho do Uruguai muitas vezes é um problema, mas às vezes é uma vantagem, dando ao país a capacidade de operar discretamente, evitar alarde e obter vantagem competitiva na concorrência direta."

"Tem sido parte da estratégia recorrente do país", explicou.

O especialista destacou que o Uruguai tem a vantagem de que o gigante asiático "segue a lógica de construir seus laços ao longo do tempo e ser consistente", buscando, portanto, "não olhar para quatro ou cinco anos à frente, mas para centenas de anos". Nesse cenário, resumiu, a China considera o Uruguai "um país amigo, cooperativo e complementar".

Celac: mais um espaço para impulsionar a China

Bartesaghi, por sua vez, considerou que o Uruguai pode aproveitar a oportunidade que a presidência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em 2026 representará, uma área também valorizada pela China no relacionamento com toda a região latino-americana.

Portanto, ele enfatizou a importância de o Uruguai liderar o Grupo China-Celac e ser capaz de conduzir, a partir daí, "alguns debates importantes", como "a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), a importância do multilateralismo, as mudanças climáticas e a paz internacional", entre outros.

"Essas são todas questões em que a China e a Celac têm pontos em comum."

"Há coincidências neste momento e em que o Uruguai pode desempenhar um papel”, comentou Bartesaghi, ciente dos desafios que a falta de consenso interno também representa para o bloco latino-americano.