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'Bandido bom é bandido morto' x 'Combater não é matar': o tiro de largada das eleições de 2026
Com um saldo de centenas de mortos e feridos, a megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, da última quarta-feira (29), causou uma reviravolta na agenda eleitoral do país.
Após repercussões positivas por parte da opinião pública sobre a atuação policial, aumentou a popularidade do governador do estado, Cláudio Castro (PL), que ainda recebeu apoio de outros governadores da oposição ao governo, como Ratinho Jr. (PR), Romeu Zema (MG), Tarcísio de Freitas (São Paulo) e Ronaldo Caiado (GO). Todos são nomes cogitados para disputar as eleições contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026.
Castro, que até então deixaria o governo no fim deste ano, sem perspectivas de cargos, agora almeja o Senado e deu musculatura para a bancada da bala tentar candidatura própria no Executivo fluminense.
Um dia depois da megaoperação, o governo federal gastou cerca de R$ 1 milhão para impulsionar seis posts nas redes sociais sobre segurança pública, defendendo o uso da inteligência e condenando ações em comunidades.
Entretanto, pesquisas divulgadas nesta semana revelaram que a maioria da população do RJ aprovou a iniciativa, pautada pela lógica eternizada pela expressão "bandido bom é bandido morto". A ação mais letal da história do estado foi positiva para 64% da população do RJ, segundo pesquisa da Qaest, divulgada no domingo (2).
Em entrevista à Sputnik Brasil, a cientista política Clarisse Gurgel, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), frisou que operações como essas ocorrem cotidianamente como forma específica de organizar a sociedade e revitalizar popularidade de governantes.
"Quando Cláudio Castro opera, ele está valorizando vários dos ativos envolvidos em seu projeto de poder e tudo vira mercadoria: matar tem valor de troca, rende votos, produz diversos especialistas em segurança, acentua a separação entre os que estão no centro e os que estão na margem com sua indústria da repressão".
A cientista política destacou a oferta cada vez mais escassa de trabalho como um dos principais fatores para o conflito urbano, estimulado pela "imensa concentração de riqueza" e a "sociedade de consumo". O que é tratado como desordem social, ponderou, na verdade, faz parte da ordem: "Isso explica uma operação que elimina pobres ser vista, por muitos, como política pública".
Para a especialista, o maior desafio dos chamados partidos progressistas é recuperar os territórios populares com trabalho cotidiano e organicidade:
"Esses espaços estão ocupados pelos poderosos, pelos que querem apenas lucro", comentou. "O que a esquerda precisa é disputar essa capacidade de organização cotidiana, aparentemente inexistente, mas que existe porque não há vazio na política", afirmou.
Professor de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jorge Chaloub também pontuou em conversa com a Sputnik Brasil sobre o sucesso internacional desse modelo de segurança pública:
"É um caminho para você mobilizar popularmente a direita e algo que enquadra a esquerda não apenas no Brasil, mas no mundo. Por outro lado, a esquerda quer trazer uma narrativa de que ela também combate. Que combater não é matar", comentou.
O especialista realçou que a ação violenta do Estado em território periférico é parte da história da fundação do Brasil. A novidade, na sua avaliação, é o "elogio da morte" por autoridades políticas da história recente, como o ex-governador do RJ Wilson Witzel, o ex-presidente Jair Bolsonaro e, agora, Castro.
"Não é que as mortes são efeitos colaterais de alguma forma necessárias. Tem quase como ideia de que a morte é boa por si, porque se faz a faxina. E isso, com esse grau, com essa dimensão tão explícita, me parece novo [...] Esse discurso sai um pouco da margem e passa para o centro, para governadores, presidentes. Não é o deputado estranho que quer propor a pena de morte. É o presidente do Brasil, é o governador do Rio de Janeiro. Isso é novo".
Sobre as recentes pesquisas, Chaloub alertou para o risco de se interpretar pesquisas de opinião feitas "no calor da hora":
"Tendem a ser muito mobilizadas pelas personalidades do debate. Acho que as pessoas estão tratando esses dados como muito objetivos", comentou ao pontuar que a análise dos resultados deve atentar-se aos números, sobretudo as pesquisas por telefone.
Também em entrevista à Sputnik Brasil, Josué Medeiros, cientista político, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Observatório Político e Eleitoral (Opel), avalia que as pesquisas sobre a megaoperação sugerem que há espaço para uma disputa de projetos sobre segurança pública. Ele deu como exemplo o fato de a maioria das entrevistadas ter sido contra a operação.
"A clivagem de gênero importa muito, com as mulheres rejeitando a violência da operação enquanto os homens apoiam", comentou .
"É possível construir até as eleições não apenas um discurso, mas uma ação concreta da esquerda nesse tema, baseada em inteligência e com o objetivo de golpear os fluxos de financiamento do crime organizado, segmentos que estão operando no mercado financeiro e lucrando com o tráfico de armas e drogas sem nunca ter pisado em uma favela".
Assim como Chaloub, Medeiros chamou a atenção para o fato de a extrema-direita em todo o mundo se unificar em torno da pauta da segurança com viés punitivista.
Na opinião de Medeiros, a democracia em toda a região latino-americana sofrerá ameaças consistentes nos próximos anos com enfoque na segurança pública com uso de violência e repressão.
"É preciso que os governos progressistas avancem em uma resposta concreta e eficaz, baseada em inteligência e golpes contra os cabeças das facções e em uma política de segurança mais comunitária e efetiva no dia a dia do cidadão", defendeu.
No caso brasileiro, o coordenador do Opel defendeu uma política coordenada para diminuir a indignação da população com abusos e violações cometidos por criminosos:
"O sentimento de uma trabalhadora ou trabalhador quando tem seu celular roubado, muitas vezes ainda sendo pago em várias prestações, é de indignação justificada e nada tem a ver com um punitivismo da extrema-direita, mas pode ser capturado pelos projetos fascistas. O governo federal precisa agir sobre isso".
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