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Facções buscam lucro, não derrubar governos: classificá-las como terroristas 'não faz sentido'

04/11/2025
Facções buscam lucro, não derrubar governos: classificá-las como terroristas 'não faz sentido'
Foto: © Marcelo Camargo/Agência Brasil

A operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, que resultou na morte de 121 pessoas – 4 policiais e 117 civis – emergiu o tema segurança pública novamente no cenário político brasileiro.

Pelo menos quatro ações estão em evidência entre Executivo e Legislativo: CPI do Crime Organizado, Projeto de Lei (PL) Antifacção, Projeto de Lei que equipara facções a terroristas e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública.

Nesta quarta-feira (4), o Senado elegeu Fabiano Contarato (PT-ES) para presidir a CPI. Alessandro Vieira (MDB-SE) será o relator. A proposta, de modo geral, pretende investigar o crime organizado.

Segundo Ignacio Cano, professor do Departamento de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Laboratório de Análise da Violência (LAV), trata-se de uma proposta ampla, que discutirá diversos temas, desde lavagem de dinheiro e crimes de digitais à controle de territórios. "A CPI, a princípio, vai falar de tudo, o que quer dizer que não vai falar de nada", resume.

Para o analista, a medida tende a surtir maior efeito no campo político-eleitoral do que nas políticas de segurança pública propriamente ditas.

"Essa CPI vai ser apenas um palco para que alguns atores políticos apresentem suas visões. E dificilmente surgirá daí uma proposta legislativa concreta", avalia.

Além disso, no âmbito do legislativo, tramitam o projeto de lei 1283/2025, do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que propõe estender a aplicação da Lei Antiterrorismo a organizações criminosas e a milícias privadas; e do deputado Coronel Meira (PL-PE), que quer a ampliar a lei incluindo a definição narcoterrorismo como passível de punição.

A proposta de definir facções criminosas como terroristas divide governo e oposição. Quem quer levar o projeto à frente são parlamentares da oposição, apoiados por governadores da direita que endossam a medida.

Segundo o jornal O Globo, publicou que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, estaria há pelo menos seis meses fazendo campanha junto à administração de Donald Trump para que os Estados Unidos classifiquem o Comando Vermelho como uma organização narcoterrorista e imponham às facções criminosas as sanções previstas para esse tipo de grupo.

Cano define essa ofensiva do governo fluminense como um "elemento estapafúrdio".

"O governo do estado do Rio tem que governar o estado do Rio, não é um governo federal, não tem nenhum mandato para negociar com autoridades estrangeiras e esse contato é completamente descabido".

Conforme explica o pesquisador, não existe uma definição universal de terrorismo, mas, em geral, considera-se terrorista aquele que procura objetivos políticos através de violência e discriminada. Como a criminalidade no Brasil visa o lucro e não derrubar governos, por exemplo, a classificação de facções como terroristas não faz sentido.

O especialista chama a atenção também para a execução deste tipo de lei, que vem sendo distorcida e aplicada fora das previsões.

De acordo com Cano, as leis antiterroristas que existem no mundo, em geral, contemplam um alongamento dos prazos de prisão provisória ou uma diminuição de algumas garantias processuais.

"Nenhuma lei antiterrorista no mundo permite a execução sumária, nem a morte de uma pessoa só porque foi acusada de terrorismo."

No entanto, é exatamente isto que os Estados Unidos estão fazendo ao explodir lanchas no Caribe, diz o especialista. "E é isso que o governo do Rio está fazendo, organizando uma operação policial que deixa 121 mortos".

Já em relação à intervenção dos Estados Unidos no Brasil através de uma lei antiterrorismo que permitisse esse tipo de ação, o analista avalia uma possibilidade remota, já que as relações dos norte-americanos com o Brasil é diferente das relações com a Colômbia e a Venezuela.

Em Caracas, por exemplo, Washington busca "abertamente uma mudança de regime". Além, o argumento de que as drogas do país escoam para solo norte-americano encontram uma certa fundamentação, ao contrário do que ocorre no Brasil.

"O comércio de drogas do Brasil vai para a Europa. Em geral, o comércio para os EUA passa para outros países mais próximos, como a Colômbia e, sobretudo, o México. Então não tem nenhuma justificativa os Estados Unidos tentar qualquer ação no Brasil."

Embora a possibilidade seja distante, o especialista destaca que, dada a pressão sobre a pauta, é preciso acompanhar os desdobramentos com atenção.

Governo federal contra-ataca

Diante da ebulição em torno do tema segurança pública, o governo federal enviou ao Congresso um projeto de lei Antifacção, que aumenta penas aos criminosos faccionados e visa atingir a operação financeira destes grupos, na contramão de projetos que querem internacionalizar o combate.

Também voltou a ordem do dia a PEC da Segurança Pública. O governo, inclusive, voltou a falar sobre o tema e chegou a impulsionar publicações sobre o assunto nas redes sociais para trazer visibilidade à discussão.

Apresentada em abril pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, a PEC tem como objetivo aprimorar a integração entre forças de segurança em todo o país e constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).


Por Sputinik Brasil