Cultura Pop
Morre aos 84 anos o poeta e tradutor Leonardo Fróes, um dos nomes mais celebrados da literatura contemporânea nacional
Autor de obras como 'Argumentos invisíveis' e 'Natureza, a arte de plantar', Fróes era conhecido por unir poesia e vida no campo
O poeta e tradutor Leonardo Fróes faleceu nesta sexta-feira (21), aos 84 anos. Reconhecido como um dos grandes nomes da literatura contemporânea brasileira, Fróes recebeu o Prêmio Jabuti de poesia em 1996 e deixou uma marca profunda ao combinar a delicadeza da palavra com a vida no campo. A editora 34, responsável pela publicação de seus livros, confirmou a notícia. A causa da morte não foi divulgada.
Obras:
Vida de presos:
Natural de Itaperuna (RJ), Leonardo Fróes deixou a cidade natal aos 9 anos rumo ao Rio de Janeiro. Aos 20 anos, o poeta se mudou para Nova York e depois ainda morou na Europa. No início da década de 1970, transferiu-se, de mala e cuia, para Secretário, na região serrana fluminense, num retorno à vida rural — e ali ficou de vez, num sítio de 50 mil metros quadrados em que seu principal hobby era o reflorestamento do terreno. Não à toa, entre a crescente e densa faixa de vegetação no local, o escritor sabia o nome da espécie de todas as plantas.
Leonardo Fróes era um poeta natural. Plantas, pedras e animais eram figuras constantes na obra do escritor, conhecido por livros como "Argumentos invisíveis" (1995), "Língua franca" (1968), "A vida em comum" (1969), "Esqueci de avisar que estou vivo" (1973) e "Natureza, a arte de plantar" (2021), o título mais recente. Também em 2021, foi lançada a antologia "Poesia reunida (1968-2021)".
— Digo, brincando, que meu melhor poema é o sítio — ele contou, numa entrevista ao GLOBO em 2015, ao sublinhar a importância da vida no campo para sua obra literária. —Hoje minha concepção de poesia é muito mais vasta do que o texto escrito. Construir a casa, plantar e cuidar das árvores, toda a vida passou a ser poética.
Leitura do humano pela natureza
A concepção própria de poesia inventada por Fróes não se guiava, no entanto, por uma mera exaltação da "vida simples" ou somente pela descrição de elementos naturais. O autor partia da observação atenta da natureza para refletir sobre a identidade do homem e seu lugar no mundo. Um de seus poemas mais conhecidos, "Justificação de deus" — do livro "Sibilitz"(1981) —, evoca imagens que parecem saídas do cotidiano do sítio em Secretário.
"O que eu chamo de deus é bem mais vasto / e às vezes muito menos complexo / que o que eu chamo de deus. Um dia / foi uma casa de marimbondos na chuva / que eu chamei assim no hospital / onde sentia o sofrimento dos outros / e a paciência casual dos insetos / que lutavam para construir contra a água", diz o início do poema.
Literatura:
Após voltar a vender doces:
Nas últimas quatro décadas, em paralelo ao seu trabalho de tradução (ele verteu para o português autores como William Faulkner, André Maurois e Le Clézio), Fróes construiu toda uma obra em cima da sensualidade e emoção da natureza, além do "afastamento progressivo/ da comédia de erros da cidade", como escreveu no livro "Chinês com sono" (2005).
A despeito da vida rural ao lado da companheira Regina Lustosa, Fróes cultivava uma ligação com a cidade muito mais profunda do que se costuma supor. Não que o rótulo de "autor ecológico", que o acompanhou desde sua partida da capital fluminense no início dos anos 1970, fosse indevido: o poeta era, de fato, um homem do mato, devoto do silêncio e das percepções que a natureza lhe oferecia. Ainda assim, ao longo de décadas de recolhimento, jamais deixou de retornar às ruas onde cresceu e atravessou parte da vida adulta.
— Não tenho nenhum ressentimento com a cidade — enfatizou ele, numa entrevista ao GLOBO em 2017. — Pelo contrário: como vivo fora, venho aqui e só pego as coisas boas. Não pego a penúria de quem vive o dia a dia. A única coisa que eu às vezes estranho são os preços. Cheguei aqui, e tudo é mais caro. Há pouco fui ao banheiro, e me cobraram R$ 4 por um xixi. Lá no sítio eu faço no mato.
Depois de um relativo sumiço, a poesia de Fróes voltou à moda nos últimos anos, recuperada especialmente pelas gerações mais novas. Com a antologia "Trilha: poemas 1968-2015" (Azougue), ele foi ovacionado na Festa Literária de Paraty de 2016. Detalhe: recentemente, o poeta continuava a produzir todos os seus escritos à mão. Sem celular, ele só ligava o computador para acessar e-mails. E nada mais. Natural que fosse assim.
Mais lidas
-
1DEFESA NACIONAL
'Etapa mais crítica e estratégica': Marinha avança na construção do 1º submarino nuclear do Brasil
-
2ECONOMIA GLOBAL
Temor dos EUA: moeda do BRICS deverá ter diferencial frente ao dólar
-
3CRISE INTERNACIONAL
UE congela ativos russos e ameaça estabilidade financeira global, alerta analista
-
4REALITY SHOW
'Ilhados com a Sogra 3': Fernanda Souza detalha novidades e desafios da nova temporada
-
5FUTEBOL INTERNACIONAL
Flamengo garante vaga na Copa do Mundo de Clubes 2029 como quinto classificado