O poder e o abuso: crônica de um estado ameaçador
Há um tipo de poder que não se aprende nos manuais de direito administrativo. Ele nasce nas sombras das vaidades, alimenta-se de ressentimentos e se expressa com o veneno dos que confundem função pública com propriedade pessoal. Foi esse poder — corrompido, desfigurado e arrogante — que se manifestou em Alagoas, quando um secretário de Estado decidiu transformar o que deveria ser autoridade em instrumento de ameaça.
Um homem fardado de honra, o subtenente da reserva James Cavalcante Ferreira, viu-se diante do impensável: o Estado, que jurou defender, voltava-se contra ele — não em nome da lei, mas da vingança. E o agressor não era um qualquer; era o próprio secretário de Relações Federativas e Internacionais, Júlio Cezar.
“Vou usar o poder do Estado contra você”, disse ele, como quem empunha uma espada feita de cargos, influência e ressentimento.
Essa frase — simples, direta, brutal — é o retrato de um Brasil que ainda insiste em confundir o público com o privado. O “poder do Estado” não é ferramenta de intimidação. É responsabilidade. É peso. É dever. Quando alguém o utiliza para atacar, deixa de ser autoridade e passa a ser apenas um autoritário.
O caso de James Cavalcante é emblemático não apenas pela violência moral, mas pela ironia que o cerca. Júlio Cezar acusa o militar de ter recebido sem trabalhar, justamente por um contrato firmado e autorizado quando o próprio Júlio era prefeito de Palmeira dos Índios. Ameaça denunciar o que ele mesmo validou. É a incoerência travestida de fúria — o algoz que se esquece do papel que desempenhou no enredo.
Mas há algo mais profundo aqui: a simbologia do medo. A exigência de um “pedido público de desculpas” sob pena de retaliação institucional revela a tentativa de transformar o Estado num feudo pessoal. É o velho “ajoelhe-se ou será punido”. É a antítese da República.
Esses episódios, tão corriqueiros quanto alarmantes, revelam o quanto ainda precisamos amadurecer como sociedade. O poder, quando não tem freio moral, é como água suja: infiltra-se nas frestas da ética e apodrece o que toca. E o silêncio cúmplice — das instituições, dos pares, da sociedade — é o adubo perfeito para que ele floresça.
Enquanto um servidor da reserva é intimidado por exercer seu direito de crítica, o cidadão comum se cala, temendo ser o próximo. É o retrato de um país em que o medo ainda rende mais frutos que a coragem.
Mas há uma lição que ecoa desse episódio: a dignidade de quem não se dobra. James Cavalcante, com três décadas de serviço à Pátria, respondeu à ameaça com serenidade e firmeza. “Olhe o assédio moral”, escreveu ele — frase simples, mas carregada de bravura. Não foi apenas uma resposta: foi um ato de resistência civil.
Talvez seja isso que mais incomode os que se habituaram a mandar — ver que ainda há gente que não se curva. Que ainda há quem diga “não” diante da tirania.
A crônica desse escândalo não é apenas sobre dois homens: é sobre o país que queremos ser. Um país onde o “poder do Estado” defende, não ameaça. Onde o cargo não dá licença para a covardia. Onde a palavra “autoridade” volte a significar respeito, e não medo.
Porque, quando o poder ameaça, o Estado adoece.
E quando o cidadão se cala, a democracia morre um pouco mais.
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