A podridão velada
Serra Velada — o nome parece de cidade pacata, de gente boa, de fé e de sol.
Mas o que brilha ali não é luz: é reflexo de lama polida.
Nas esquinas, a política se disfarça de cortesia; nos corredores da prefeitura, o poder veste perfume; e naquilo que chamam de imprensa, o jornalismo foi substituído por chantagem.
Não há redação — há balcão.
Não há jornalistas — há cobradores de silêncio.
Não há veículos de comunicação — há carroças de barganha.
Esses falsos porta-vozes do povo aprenderam a transformar a fraqueza dos outros em moeda.
Descobriram que um político fraco vale mais que um forte: porque o forte reage, mas o fraco teme.
E, em Serra Velada, há um político com medo.
Medo do passado, medo da verdade, medo do próprio rabo — que é tão grande que, se alguém pisar, ele cai, e cai feio.
É esse medo que alimenta o submundo.
As ameaças não chegam por carta, mas por mensagem de celular.
As matérias não são publicadas, são negociadas.
E o silêncio, o produto mais caro da praça, é vendido por gente que jamais honrou o ofício da palavra.
Eles se autodenominam jornalistas, mas não sabem o peso da caneta.
São ventríloquos do poder, marionetes de gabinete, que trocam manchete por emprego e opinião por pix.
Chamam de imprensa, mas são apenas o eco do medo alheio.
Em Serra Velada, o poder público não governa — se defende.
A cada dia, uma chantagem nova; a cada denúncia, um acordo escuro.
E, enquanto isso, a cidade afunda devagar, sem barulho, engolida pelo lodo moral que ela mesma fabricou.
Os poucos jornalistas de verdade — e ainda existem alguns — vivem isolados, respirando o mesmo ar poluído, tentando salvar o sentido da palavra “verdade” antes que ela também seja leiloada.
Eles sabem que lutar contra a lama é inútil, mas ainda assim teimam em limpar as botas.
O povo, esse, observa.
Aprendeu a rir do absurdo, a duvidar de tudo, a acreditar em nada.
Porque quando tudo vira moeda — da fé à notícia —, a confiança se torna luxo, e a decência, artigo de colecionador.
A podridão de Serra Velada não é culpa de um só — é de todos que se acostumaram com ela.
Dos que vendem a honra, dos que compram o silêncio, e dos que assistem de braços cruzados achando que o mal, por ser costumeiro, deixou de ser mal.
E o político fraco, atolado em sua própria covardia, segue pagando a conta.
Paga com dinheiro público, paga com favores, paga com alma — até o dia em que o preço fica alto demais, e o cobrador resolve publicar tudo.
Porque a chantagem, em Serra Velada, não tem fidelidade.
Hoje o silêncio é vendido; amanhã, o escândalo é entregue com recibo.
O que era ouro virou ferrugem.
O que era imprensa virou ameaça.
E o que era cidade virou metáfora:
um lugar onde a lama sobe pelas paredes e ninguém mais percebe o cheiro.
Serra Velada — nome bonito, alma podre.
Um espelho do Brasil em escala reduzida: onde a corrupção veste terno, a covardia se faz de prudência e o jornalismo, de prostituição moral.
E pensar que tudo isso acontece sob um sol de sertão, aquele mesmo sol que ilumina, mas também denuncia.
Porque por mais que tentem esconder, a luz sempre revela o que a lama insiste em cobrir.
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