A anistia da vergonha
A Câmara dos Deputados decidiu abrir as portas da história para uma página vergonhosa. Com 311 votos favoráveis e 163 contrários, aprovou-se a urgência de um projeto que pretende anistiar os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 — aquele dia em que a democracia brasileira foi violentada diante do mundo inteiro.
Chamam de pacificação. Mas pacificação para quem? Para os que invadiram, depredaram e tentaram rasgar a Constituição? Para os cúmplices de uma trama golpista que queria impor o caos e instalar o medo? Quando o presidente da Câmara, Hugo Motta, fala em “conduzir com equilíbrio”, soa como deboche. Equilíbrio não é apagar crimes; é garantir que eles tenham consequência.
É impossível não enxergar nesta manobra um pacto de conveniências. Bolsonaristas gritam “anistia já” como se fossem vítimas, quando na verdade foram algozes da ordem democrática. No mesmo plenário em que ecoaram os cânticos de “sem anistia”, ouviram-se aplausos ao perdão geral, ao salvo-conduto de quem pisoteou as instituições. Não se trata de reconciliação, mas de cumplicidade.
E não é por falta de aviso. O Supremo Tribunal Federal já declarou que qualquer tentativa de anistia para crimes ligados ao 8 de janeiro será considerada inconstitucional. A mensagem é clara: não se perdoa atentado contra a democracia. Mas a Câmara, em sua pressa indecorosa, finge ignorar o recado da Corte e insiste em empurrar o país para um beco sem saída.
A farsa é ainda maior porque se fala nos bastidores de barganhas escancaradas: a urgência da anistia teria sido moeda de troca para a aprovação da PEC da Blindagem, que protege parlamentares de processos e prisões. Ou seja: em nome da “pacificação”, cria-se um duplo escudo, para os golpistas de ontem e para os políticos de sempre.
Juristas já alertaram: anistiar crimes contra o Estado Democrático de Direito é abrir a porteira para que o golpe vire rotina. É o mesmo que dizer a futuros aventureiros: “Tentem outra vez, porque, se der errado, o perdão virá em nome da paz.” Esse não é o caminho da reconciliação, mas o da impunidade institucionalizada.
As palavras de Marcelo Crivella, autor do projeto, soam como ficção barata: “resposta apaziguadora, congraçamento dos contrários”. Que apaziguamento há em perdoar quem quebrou patrimônio público, ameaçou autoridades e conspirou contra a Constituição? Que congraçamento é possível com quem tentou abolir o regime democrático?
O ataque de 8 de janeiro não foi “manifestação política”. Foi crime. Crime planejado, financiado, executado. Crime contra o povo, contra a soberania do voto, contra a própria ideia de República. E crimes, em qualquer democracia séria, não se apagam com discursos de perdão.
Ao aprovar a urgência dessa anistia, a Câmara dos Deputados envergonha o país e trai sua função mais básica: representar o povo e proteger as instituições. Não se trata de esquerda ou direita. Trata-se de memória e de justiça.
Anistiar o 8 de janeiro é reescrever a história de cabeça para baixo. É transformar criminosos em patriotas e a democracia em piada. E é, sobretudo, mandar ao futuro a mensagem mais perigosa de todas: neste país, rasgar a Constituição pode não ter custo algum.
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