Generoso e discreto

06/11/2025
Generoso e discreto
Carlito Peixoto Lima

– Às vezes me dá vontade de trair o Ariosto. Sinto uma dor no peito, raiva, pela moleza de meu marido. Tenho vontade de sair por aí transando, sou a mulher mais carente e idiota do mundo Confessava Rita à amiga Tieta.

– Até que entendo sua vontade, mas esse negócio de trair, na maioria das vezes dá arrependimento, piora a situação. Faça as coisas que o coração mandar, porém, tenha calma, reflita para depois não se arrepender. Aconselhou Tieta.

– Você condena essa vontade de eu trair?

– Quem sou eu para julgar? Para condenar alguém? Como amiga posso dar uma opinião, apenas isso. É situação passageira, feito nuvem, por isso aconselho pensar, o travesseiro noturno ou uma volta na orla contemplando o mar, refletindo, acalma o coração, faz bem à alma.

– O problema é o meu desprezo pelo Ariosto, nunca pensei, ele é um fraco, perdedor, desde que foi despedido do emprego há mais de sete meses, vive dentro de casa, esperando um trabalho cair do céu. Todo dia é uma desculpa ou uma mentira de promessa de emprego, culpando o governo. Eu sustento a casa, comida, água, luz, telefone, o colégio do Betinho, tudo com o trabalho de cabeleireira no meu salão de beleza. Não tenho descanso nem aos domingos, para sustentar a casa. O Ariosto nem aí, só sai para o botequim, chega na hora do jantar, o português da bodega já não vende fiado. É uma tristeza. Minha única reação é não transar quando ele se achega querendo coisas. Uma noite me pegou a pulso, não sei mais o que fazer. Que ele merece um chifre, merece. Tenho um cliente, coroa alinhado, elegante, cheiroso, faz cabelo e unhas toda semana, olha demais para mim, conversamos muito, eu deixo meu decote bem aberto ele fica contemplando, mas é um homem sério. Da última vez que ele foi ao salão, estava lendo numa revista uma reportagem sobre mulheres e sexo. Eu sorri perguntando se ele gostava da fruta. O coroa deu uma gargalhada, respondeu-me na hora: “gosto e é bom.” Apesar de ele ter chegado aos sessenta anos, tenho certeza, se eu quiser, sai comigo.

– Rita veja o que vai fazer. A melhor solução para briga ou desentendimento é o diálogo. Faça uma força, fale francamente, com o Ariosto, diga tudo que pensa, pressione para ele arranjar um emprego, nem que seja de varredor, não é desonra alguma.

Rita foi para casa, tirou o fim-de-semana para refletir. Sábado ao entardecer foi contemplar o mar azul-esverdeado da praia de Jatiúca. Pensou bastante nas palavras da amiga, Tieta, a psicóloga. Consultou seu coração e à mente, pensou no Ariosto, no Betinho e no sessentão cheiroso. Quando retornou em casa teve uma conversa franca com o marido naquela noite.

– Que ares de felicidades são esses? Perguntou- lhe Tieta, dias depois. Vejo que resolveu seus problemas, gostei dessa transformação jovial, acabou-se a tristeza, a depressão, voltou sua alegria.

– Minha amiga, tudo começou com o contemplar do belo verde mar, me senti bem, pensei no que meu coração queria. A primeira decisão foi ter uma conversa aberta com o Ariosto, disse que estava a fim de me separar, fui franca, critiquei as grossuras dele comigo, a preguiça de arranjar trabalho. Finalmente acertamos outra chance no casamento, eu ajudaria a procurar-lhe emprego. As coisas foram se arrumando, estamos vivendo melhor, ele agora tem um emprego arranjado por mim, ajuda no sustento da casa e sua autoestima melhorou.

– Ainda bem que você apagou a ideia, a vontade de trair com o coroa elegante. Disse Tieta sorrindo.

– É o que você pensa. O coroa elegante chama-se Fernando, com ele arranjei um trabalho de almoxarife para o Ariosto. O Doutor é engenheiro, tem uma construtora. Homem generoso e discreto. Aqui para nós, satisfaz minha vontade. Apesar da idade, o coroa ainda é ótimo, suas invencionices na cama, ajudado pela azulzinha, me deixam louca.

Carlito  Lima

Carlito Lima

Carlito Lima é escritor, cronista e contador de histórias alagoano. Estreou na literatura em 2001 com o livro de memórias Confissões de um Capitão e, desde então, publicou contos, crônicas e romances que retratam com humor, lirismo e crítica social a vida e a cultura de Alagoas. Antes de se dedicar integralmente à literatura, foi engenheiro civil, capitão do Exército Brasileiro e prefeito de Barra de São Miguel (AL). Atuou também como secretário municipal de Cultura de Marechal Deodoro, onde idealizou a Festa Literária de Marechal Deodoro (Flimar), um dos mais importantes eventos culturais do Estado, além de criar o tradicional bloco carnavalesco Negra Fulô, em Maceió. Autor de obras marcadas por forte identidade regional, Lima publicou pela Aletria Editora os romances Mundaú e Jequiá, que compõem, ao lado de Manguaba, a trilogia das lagoas alagoanas — uma homenagem poética à geografia e à alma do seu Estado natal. Com uma prosa viva e envolvente, Carlito Lima é reconhecido como um dos grandes nomes da literatura contemporânea de Alagoas, unindo memória, humor e reflexão em suas narrativas sobre o homem e o lugar nordestino.