O bêbado na Igreja

09/11/2013
O sino batia chamando os fiéis. O novo pároco celebraria sua primeira missa. Dona Joaninha, Dona Quintina, MarianBebuminha e Joaquina chegaram logo cedo, como sempre. Deixaram os maridos sem a janta naquela noite, como em todas as noites de missa. Elas eram beatas. Desde que envelheceram, tornaram-se beatas fervorosas. Arruma-se uma coisa daqui, muda-se uma coisa dali, retira-se uma imagem acolá, troca-se a toalha do púlpito. Tarefas que elas faziam há anos. Um bêbado para à porta da igreja e, em palavras desconexas, diz que é de Jesus e que vai para o céu. — Depressa Joaninha, vai fechar a porta da igreja, se esse filho de uma égua entrar aqui, estraga tudo. — Pede Dona Quintina, que não tinha muita papa na língua e que, por isso, já fora advertida dezenas de vezes por outros padres. O problema dela era a língua. Joaninha sai às léguas, despeja uma pequena praga no infeliz e bate-lhe à porta na cara. O bebum não se sente satisfeito. Senta à porta da igreja e começa a bodejar, como se fala no sertão. — Ochente! Se eu... Num entrar... Ninguém entra. — Decide ele em sotaque de bêbado. Os fiéis, “solidários”, vão paulatinamente chegando, entrando pela porta lateral. Cada um que observa o pobre ébrio, lança-lhe olhares de desprezo e todos passam se esquivando dele. O bêbado não para de falar em sotaque de bêbado: — Sô fie de Jesus, e vou pro céu... Eu... Aconheço... Incrusivi... (faz uma pausa) o milague da multipricação dos pão. Lá de dentro da igreja, o dono do mercadinho, o padeiro, o radialista, a professora, o doutor, o farmacêutico começam a ficar injuriados com a impertinência do embriagado. Por inúmeras vezes, eles se viram para a porta, aborrecidos. A vontade que dava era pegar o bêbado pelas orelhas. A madre Normalista já não aguentava mais. A senhora respeitada, mulher do juiz da cidade, torce para que algum homem vá tirar o diabo do bêbado da porta da igreja. E o bêbado, em idioma de bêbado, continua: — Sô fie de Jesus, e vou pro céu... Eu... (faz uma pausa) Aconheço... Incrusivi... O milague da multipricação dos pão. Nesse ínterim, um sacristão já impaciente, de voz mansa, levanta-se de sua cadeira tendo antes o cuidado de deixar o cálice sagrado limpo. Em passos rápidos dirige-se ao infeliz. Abre a porta central. Pega-lhe bruscamente no braço, levanta-o e começa a empurrá-lo para o meio da rua. — Vai-te embora, sarta-moita! — Reclama o sacristão em língua de nervoso sacristão. — Epa! Demônio, não! Perae... Eu sou fie... (hic) de Jesus e ...vou (hic) pro céu... e... Chega o soldado amarelo, também impaciente, e, já prestes a lhe dar uma sova, ouve o padre novato pedir: — Não bata nele. Deixe-o assistir à missa. — Ordena o reverendo surpreendendo a todos. Espanto geral naquela comunidade religiosa. O padre enlouqueceu? Quem já se viu deixar esse tipo de gente junto de mulheres castas e respeitadas da cidade? Aqui é a casa de Deus, reclamam outros. Mas, depois de conversar com o clérigo, o bêbado sentou na última cadeira e, a muito custo, conseguiu manter-se concentrado. O soldado amarelo ficara ao lado dele todo o tempo. Precaução. O padre celebra a missa em paz, pelo menos aparente. Já perto do final da cerimônia, o reverendo, ainda um pouco nervoso por ser sua primeira missa, explica justamente a tal da multiplicação dos pães que o bêbedo dizia conhecer. O caninha, quando ouviu isso, arregalou os olhos e ficou de orelha em pé. — Senta, diabo! — Cochicha o soldado amarelo no ouvido do homem — senta infeliz, se não quando tu sair daqui eu te fecho. Sentou, mas continuou de olhos arregalados, ouvidos aguçados. O padre explicou: — Meus queridos, milagroso é Jesus, que pegou cinco mil pães e três mil peixes e alimentou a três pessoas. Nesse ínterim, o bêbado levantou e disse: — Epa! Peraí, seu padre, tem coisa errada nessa históra. Mas não conseguiu concluir, pois o soldado amarelo levou-lhe para fora com um beliscão discreto. Terminou a missa. Já estando a igreja fechada, eis que um sacristão se aproxima do padre e comunica-lhe, horrorizado: — Padre, o senhor errou! Na verdade, Jesus pegou cinco pães e três peixes e deu a cinco mil pessoas. — Ah, mas deixa pra lá... Próximo domingo eu conserto. Chegou o outro domingo e novamente o bêbado sentou-se lá no fundo da igreja. Quando já estava a missa para terminar, o padre emendou: Milagroso é Jesus, que com cinco pães e três peixes alimentou uma multidão de cinco mil pessoas. Nisso, o bêbado levantou lá no fundo e disse bem alto: Também, com a sobra de domingo, até eu fazia esse milágue. Resultado. Dois meses sem o bêbado poder pisar o sagrado templo, mesmo estando com toda a razão.
Blog da Redação

Blog da Redação

Blog da Redação é redigido pelos jornalistas da Tribuna do Sertão. Sempre com pautas impactantes.