Política

Especialistas divergem sobre atuação do Incra em regularização fundiária na Amazônia

Audiência pública no Senado discute proposta que transfere para a Justiça a responsabilidade pela regularização fundiária na Amazônia Legal, gerando preocupações sobre impactos, agilidade e acesso da população.

09/12/2025
Especialistas divergem sobre atuação do Incra em regularização fundiária na Amazônia
O debate foi promovido pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Fonte: Agência Senado - Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado Fonte: Agência Senado

Em audiência pública realizada nesta terça-feira (9) pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado, especialistas demonstraram preocupação com o projeto de lei (PL 4.718/2020), de autoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), que propõe transferir à Justiça a responsabilidade pela regularização fundiária na Amazônia Legal, atualmente atribuída ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O projeto permite que ocupantes de áreas rurais da União na Amazônia Legal solicitem a regularização por meio de processo judicial. A audiência foi solicitada pelo senador Beto Faro (PT-PA), defensor da manutenção do Incra nesses processos.

Carlos Gondim, consultor jurídico do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, destacou que a proposta transfere ao Judiciário uma atribuição típica do Executivo, o que poderia atrasar a regularização e comprometer o combate à grilagem de terras. “A solução para agilizar a regularização fundiária é fortalecer o Incra, com mais servidores e recursos de tecnologia”, afirmou.

Por outro lado, Érico Melo Goulart, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), argumentou que o projeto oferece uma alternativa importante para superar a morosidade do Estado. “Há muitos pedidos de regularização no Incra há muitos anos e isso não avança”, ressaltou.

Júnior Divino Fideles, adjunto do Advogado-Geral da União (AGU), ponderou que é preciso avaliar se a transferência para a Justiça trará a agilidade desejada, lembrando que a tendência mundial é evitar a judicialização excessiva. “Há quase dois séculos que não conseguimos ordenar adequadamente o nosso território e nem dar uma destinação segura às terras públicas”, afirmou.

Daniela Ferreira dos Reis, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, alertou para a dificuldade de acesso da população ao Judiciário na região amazônica e destacou que o Incra possui o melhor adensamento técnico, base de dados e governança para tratar do tema. “A judicialização vai gerar um abarrotamento dos processos”, enfatizou.

Michel François Drizul Havrenne, representante do Ministério Público Federal (MPF), ressaltou que a regularização fundiária é uma das mais importantes políticas públicas do país e sugeriu que o pedido judicial só ocorra após esgotada a via administrativa pelo Incra. Ele também defendeu que o MPF seja sempre ouvido nos processos e manifestou preocupação com a possibilidade de a Justiça Estadual atuar em questões fundiárias, o que considerou inconstitucional.

Marcos Kaingang, secretário nacional de Direitos Territoriais Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, pediu atenção especial à situação das terras indígenas no processo de regularização. Marcelo Mateus Trevisan, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, também participou da audiência.

O senador Beto Faro reiterou a urgência do tema para a região amazônica e defendeu uma discussão aprofundada nas comissões do Senado antes da votação. Segundo ele, após tramitar pela CRA, o projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com decisão terminativa. Caso aprovado, seguirá diretamente para a Câmara dos Deputados, sem passar pelo Plenário do Senado, salvo recurso.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) reconheceu a complexidade da regularização fundiária no Brasil, ressaltando as dificuldades históricas para identificar terras públicas e privadas, mas destacou esforços dos governos ao longo dos anos para avançar na questão.