Política

Condenado pelo 8 de janeiro cuja mulher estava grávida não conheceu o filho: 'A família está indignada', diz sogra

'Quando ele sair da prisão, terá o emprego novamente, se quiser', promete o patrão do rapaz, que foi submetido a uma pena de 17 anos atrás das grades

Agência O Globo - GLOBO 15/09/2023

Preso em Brasília desde 8 de janeiro, quando participou dos ataques golpistas na capital federal, Matheus Lima de Carvalho Lázaro, de 24 anos, ainda não conheceu o filho recém-nascido, de apenas 2 meses de idade. Como o GLOBO mostrou nesta sexta-feira, o rapaz deixou a esposa grávida em Apucarana, no interior do Paraná, e viajou para tomar partido nos atos — a mulher, inclusive, chegou a fazer apelos para que o marido não se envolvesse no vandalismo. Matheus é um dos três acusados de envolvimento com o episódio já condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — no caso dele, a 17 anos de prisão.

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A sogra do rapaz concedeu entrevista ao jornal Tribuna do Norte, baseado em Apucarana, e revelou que ele não manteve qualquer contato com os parentes desde que foi parar atrás das grades. Segundo a mulher, a filha e Matheus estão casados há cerca de 2 anos. Uma das últimas postagens nas redes sociais do jovem antes da prisão traz um vídeo do ultrassom do bebê, à época próximo do terceiro mês de gestação.

— Nossa família está indo à igreja rezar pelo Matheus, para que a situação possa ser revertida. A família está indignada, pois a corda arrebenta para o lado mais fraco, ele é trabalhador, nunca faltou um dia de trabalho. Criminosos do tráfico, assassinos, não são punidos, mas meu genro, que não tirou sangue de ninguém, foi condenado injustamente — disse a sogra de Matheus à publicação, pedindo para não ter o nome identificado.

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A mulher também contou que, sem a renda do marido, a filha e o neto vêm passando por dificuldades financeiras. Entre os problemas enfrentados, estão o aluguel da casa e os gastos com o recém-nascido, enquanto a sogra de Matheus busca ajudar com despesas como as contas de água e de luz. O jornal relata ter entrado em contato com outros membros da família e com a própria esposa de Matheus, mas nenhum outro parente quis conceder entrevista.

O veículo, no entanto, também conversou com o patrão de Matheus. Até os ataques de 8 de janeiro, ele trabalhava há cerca de três anos como entregador em uma empresa de produtos de limpeza. De acordo com Sidnei José de Oliveira, o empregado chegou a pedir folga na sexta-feira anterior aos ataques golpistas para poder seguir até Brasília de ônibus.

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— Matheus é um rapaz amoroso, um menino de ouro — elogiou Sidnei, classificando o rapaz como um "funcionário exemplar".

O patrão do jovem contou ainda que chegou a tentar demovê-lo da intenção de viajar para Brasília, pois a viagem seria longa, e a estrada, perigosa. Sidnei afirmou que o funcionário estava "muito animado" e "feliz" com a possibilidade de conhecer Brasília e de "defender um ideal". Ele nega, contudo, que o rapaz tivesse a intenção de participar de um ataque à Praça dos Três Poderes.

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— Quando ele sair da prisão, terá o emprego novamente, se ele quiser. Estamos em luto, muito tristes por toda essa situação. E estamos dando todo apoio para a esposa e o filho deles — garantiu Sidnei.

'Tem que quebrar tudo'

Durante o julgamento de Matheus, nesta quinta-feira, foram exibidos áudios trocados no dia dos ataques entre ele e a esposa grávida, que ficou em Apucarana. O rapaz foi até à Esplanada dos Ministérios com dois amigos que se encontravam acampados no Quartel-Geral da capital federal. Já na Praça dos Três Poderes, enquanto extremistas invadiam o Palácio do Planalto, o Congresso e o prédio do STF, ele começou a enviar mensagens à mulher, que acabaram anexadas ao processo.

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"'Mô', aqui na televisão está falando que as polícias já estão tudo prontas, já. Daqui a pouco elas vão aparecer aí", disse aflita, às 16h05, ao companheiro. Um minuto depois, ela retomou o contato: "Isso não pode porque já é vandalismo". E reforçou na sequência: "Aqui está mostrando na televisão as pessoas já quebrando as coisas. Isso não pode porque isso é vandalismo. Não pode entrar quebrando, tipo... É, destruindo até o teto. Aqui na televisão está mostrando. Não pode isso".

Meia hora depois, às 16h36, Matheus enviou um vídeo à esposa no qual aparece na Praça dos Três Poderes. Em seguida, ele argumentou: "Que que não pode? É para quebrar, para dar desordem, para o Exército vir, 'mor'. 'Mô', acabou pacificamente, não existe isso". O rapaz prosseguiu: "Tem que quebrar tudo, para ter reforma, para ter guerra, amor. Guerra! Para o Exército entrar. Entendeu? A gente tem que fazer isso aí para o Exército entrar, e todo mundo ficar tranquilo. O Exército tem que entrar para dentro".

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Matheus ainda pediu à esposa que não acreditasse nas informações veiculadas pela imprensa. "Não vai em mídia de televisão, não, que eles estão totalmente errados. É vândalo, é vândalo mesmo. Acabou o pacífico". Sete minutos mais tarde, às 16h44, o rapaz enviou um "está tranquilo", reclamou da internet ruim e encaminhou uma selfie na Praça dos Três Poderes.

Os diálogos entre o casal constam em um laudo da Polícia Civil do Distrito Federal, mas não são citados na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Matheus. Ainda assim, o material foi anexado ao processo e citado durante o voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo.

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Ao prestar depoimento, Matheus afirmou que registrou a movimentação de manifestantes no próprio celular, compartilhando imagens nas redes sociais, mas negou ter tomado partido direto na depredação. Os áudios enviados à esposa foram usados por Moraes para reforçar que, ao contrário do sustentava, o rapaz tinha, sim, intenções golpistas.

Lázaro deixou a Praça dos Três Poderes após a chegada das autoridades, mas foi preso no entorno do Estádio Mané Garrincha — antes, chegou a trocar de blusa numa tentativa de não ser reconhecido. Com ele, de acordo com a polícia, havia uma faca, uma jaqueta militar e uma camiseta da seleção brasileira.

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Além de Matheus, outros dois réus foram condenados nesta quinta-feira: Aécio Lúcio Costa Pereira, também a 17 anos de prisão; e Thiago de Assis Mathar, a 14 anos de prisão. Há ainda um quarto acusado sentado no banco dos réus neste primeiro julgamento acerca do 8 de janeiro, mas o caso de Moacir José dos Santos só será apreciado pelos magistrados na próxima semana.