Geral
Cristina Canale revê seus 40 anos de carreira em mostra com 50 obras na Casa Roberto Marinho
Radicada na Alemanha há três décadas, pintora carioca inaugura simultaneamente exposição em que seleciona 40 obras da coleção da instituição do Cosme Velho
De telas cobertas por massas de tinta a trabalhos com áreas quase lavadas, da ausência humana à presença de imagens femininas de rosto vazio, da figuração à abstração (ora informal, ora geométrica) que, por vezes, dividem espaço na mesma obra, a produção de Cristina Canale se equilibra, há 40 anos, em ambiguidades que desfiam o olhar o espectador. Parte desta trajetória poderá ser vista pelo público a partir desta quinta-feira (15) com a inauguração da panorâmica “Dar forma ao mundo”, que reúne cerca de 50 trabalhos seus, dos anos 1980 à produção recente, na Casa Roberto Marinho, no Cosme Velho, Zona Sul do Rio.
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A mostra abre simultaneamente com “Paisagem e memória”, que ocupa o térreo da instituição e destaca o olhar curatorial da artista carioca radicada desde a década de 1990 na Alemanha. Em quatro salas, Cristina selecionou 40 obras da Coleção Roberto Marinho, de nomes como Portinari, Guignard, Volpi, Tomie Ohtake, Ione Saldanha e Frans Krajcberg. A “dobradinha” dá a oportunidade de observar questões temáticas, cromáticas e técnicas que atravessam a trajetória da pintora e sua relação com a abordagem de nomes que a precederam.
— Fiz a seleção com o olhar de uma artista, não como uma historiadora de arte faria. E o artista vai pelo caminho do afeto. Muitas dessas obras, dos anos 1960 e 1970, remetem à minha infância, aos fascículos de “Gênios da pintura” que tínhamos em casa. Parte da iconografia com que lido hoje já fazia parte da minha vida — relembra Cristina. — Isso vai para esse terreno da ambiguidade, que sempre alimentei nas minhas obras. Quando sinto que alguma equação (nos trabalhos) está ficando muito simples, busco outras contradições na obra.
Cristina já havia vivido uma experiência semelhante na exposição “A escolha do artista”, de 2021, em que ela e outros quatro artistas (Antonio Manuel, Beth Jobim, Raul Mourão e Waltercio Caldas) foram convidados a estabelecer diálogos entre a coleção da CRM e a produção contemporânea e sua própria obra. Desta época, a pintora selecionou a tela de Di Cavalcanti “Ivette Rocha Bahia” (1963) e produziu a tela “Musa” (2021) e uma série de “Ivettinhas” em papel, todas presentes na mostra. “Paisagem e memória” inaugura este formato de exposições duplas, divididas em individuais e seleções do acervo local feitas pelos artistas destacados.
— Até 2026 teremos mais quatro exposições com esta configuração, com Ascânio MMM, Beth Jobim, Beatriz Milhazes e Waltercio Caldas — adianta o diretor da Casa Roberto Marinho, Lauro Cavalcanti. — Nós sempre buscamos estabelecer diálogos contemporâneos com o modernismo da coleção da casa. E não há maneira melhor de fazer isso do que por meio do olhar dos artistas.
Percurso em capítulos
Com curadoria de Pollyana Quintella, a panorâmica “Dar forma ao mundo” ocupa todo o primeiro andar da Casa com trabalhos dos anos 1980, como “Rio 40 graus” (1987) e “Cachoeira” (1989), passando pela década seguinte, após sua mudança para a Alemanha, em 1993, em que formas ovoides se evidenciam entre planos abstratos, a exemplo de “Poltrona anos 60” (1999), chegando até as imagens femininas da produção pós-2000, como “Passante” e “Vizinhas” (2011) e “Ella” (2018). Parte das obras criadas na última década já havia sido abordada no livro “Faces” (2022), editado pela Nara Roesler Livros.
— A exposição tem um percurso linear, um pouco como diferentes capítulos, mas com elementos que dialogam com momentos distintos em cada sala — diz Pollyana Quintella, que selecionou as obras em coleções particulares e de instituições como a Pinacoteca de São Paulo e Inhotim (MG). — É uma trajetória de muito fôlego, e com abordagens que voltam de tempos em tempos, de forma quase espiralar. O olhar retrospectivo dá a chance de observar como esse repertório vem desde o início, como o trabalho em grande escala, ou a gestualidade que evidencia o corpo físico dela nas pinturas.
Antes de se estabelecer no exterior, Cristina despontou dentre os 123 artistas que integraram a icônica coletiva “Como vai você, Geração 80?”, realizada há 40 anos na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage. Ao lado de contemporâneos como Beatriz Milhazes, Luiz Zerbini, Daniel Senise, Gonçalo Ivo e Leda Catunda, a artista se tornou uma referência da pintura brasileira, a partir de uma retomada historicamente creditada à sua geração. Além de sua contribuição à produção brasileira das últimas décadas, Cristina celebra a oportunidade de reencontrar-se com a “menina de 20 e poucos anos” da época da mostra oitentista:
— Não costumo olhar minha vida em retrospectiva, mas essa exposição me possibilitou reencontrar alguns trabalhos que não via há muito tempo, e me surpreendi. Hoje posso reconhecer a coragem daquela moça ali.
Obras 'resolvidas' na luz da primavera
Para a curadora Pollyana Quintella, a efeméride dos 40 anos da exposição “Como vai você, Geração 80?” e as mostras individuais inauguradas por seus artistas, como a de Cristina Canale, oferecem a chance de rever esta produção com mais profundidade, observando a assinatura de cada um destes nomes e a forma como cada trajetória se desdobrou.
— Quando falamos de uma geração é sempre uma abordagem ingrata. Parece que há uma produção homogênea, que precisa responder a certos parâmetros, o que mascara a diversidade existente dentro de um grupo. É um tema que vem sendo debatido, de como aquela gaveta que mitifica aquele grupo também o torna refém — contextualiza a curadora. — A partir de um diálogo histórico como o desta panorâmica, a gente consegue identificar como as questões plásticas da Cristina vão se desdobrando, a partir de uma visão mais complexa, mais sofisticada. E a partir destas particularidades fica mais rico também olhar o todo, compreendendo cada percurso individual destes artistas.
A pintora acredita que as mais de três décadas vivendo fora do Brasil não a tornaram uma artista tão diferente da que teria sido se tivesse permanecido no país. Mas reconhece que a oportunidade modificou sua relação com os cânones da arte.
— A princípio, iria morar fora só por um tempo, que acabou se prolongando um pouquinho — diverte-se Cristina, que tenta vir ao Brasil pelo menos duas vezes por ano. — Desde o começo, já trabalhava sobre uma iconografia da pintura ocidental, e estar na Europa me deu a oportunidade de ter contato próximo com uma tradição da qual eu extraía parte da minha obra. Foi uma oportunidade inclusive de estar diante de coisas que admirava por livros ou revistas e que, de perto, não gostei tanto. É um luxo poder pensar “não gostei dessa pincelada” ou “era melhor no livro”.
Um dos aspectos de viver na Alemanha que a pintora reconhece impactar sua produção está relacionado à luz. Tendo por hábito trabalhar em até dez projetos ao mesmo tempo, ela diz que muitas soluções surgem quando chega a primavera no Hemisfério Norte.
— Meu problema nunca foi o frio, e sim a luz. Essa época em que fica tudo cinza e, quando parece que vai acabar, fica tudo cinza de novo — comenta a pintora. — Meu processo é lento, começo um quadro numa estação e termino várias estações depois. Aí fico tentando trabalhar numa luz que só vou conseguir resolver quando chego em meados de março, com o céu mais azul. Aí percebo que o contraste não estava bom, consigo puxar mais o vermelho, deixar o amarelo mais vibrante.
Geração 80 em individuais no Rio
Além da panorâmica "Dar forma ao mundo", outros artistas destacados pela coletiva "Como vai você, Geração 80?" (1984) ganham individuais no Rio:
'Paisagens ruminadas'
Maior exposição já dedicada a Luiz Zerbini, com cerca de 140 obras, a retrospectiva está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Centro da cidade, até setembro. Com curadoria de Clarissa Diniz, a mostra reúne trabalhos do artista desde o final dos anos 1970, pinturas icônicas dos anos 1980 e 1990, até monotipias mais recentes. Ocupando todo o primeiro andar do CCBB, a seleção destaca ainda trabalhos em outros suportes, como esculturas, criações assinados pelo Chelpa Ferro (coletivo criado com o escultor Barrão e o editor de cinema Sergio Mekler, em 1995) e a instalação inédita“Pedrona” (2024).
'Paisagem selvagem'
Recém-inaugurada na galeria Carpintaria, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio, a individual é a primeira de Leda Catunda na cidade em mais de uma década, depois de “Pinturas recentes”, montada em 2013 no Museu de Arte Moderna (MAM-RJ). Em obras deste ano, como “São Tomás”, “Cinema” e “Caprichosa”, Leda responde ao fluxo de estímulos visuais e digitais com trabalhos híbridos em pintura e tecido.
'Zeitgeist'
A Pinakotheke Cultural, em Botafogo, Zona Sul do Rio, vai abrir ao público na próxima segunda-feira uma exposição com 79 pinturas produzidas por “Gonçalo Ivo nos últimos cinco anos, das séries “Le jeu des perles de verre” (“Jogos de contas de vidro”), “Cosmogonias”, “Cardboards”e “L’inventaire des pierres solitaires” (“Inventário das pedras solitárias”). Com curadoria do colecionador Luiz Chrysostomo (também responsável pela seleção da mostra de Ivo no Paço Imperial, em 2022), “Zeitgeist” tem em sua seleção quase todas as telas inéditas — apenas cinco delas foram mostradas anteriormente. Além da exibição do filme “Gonçalo Ivo – Uma biografia da cor” (2024), dirigido por Katia Maciel, a mostra lançará também um catálogo bilíngue, de 328 páginas.
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