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David Parsons volta ao Brasil com homenagem a Milton Nascimento

Coreógrafo e sua companhia passam por São Paulo, Curitiba e Rio com espetáculo que inclui a célebre 'Caught' e peças com música de Mozart e Miles Davis

Agência O Globo - GLOBO 12/08/2024
David Parsons volta ao Brasil com homenagem a Milton Nascimento
o bailarino e coreógrafo americano David Parsons - Foto: Reprodução / internet

Bonitão, sorridente e, ainda por cima, capaz de voar em cena, o bailarino e coreógrafo americano David Parsons era uma figura irresistível quando despontou nos palcos daqui, no fim dos anos 1980, furando rapidamente a bolha da plateia de dança. “Caught”, solo em que simulava um voo com ajuda de luzes estroboscópicas, enlouqueceu o público e o aproximou de seu parceiro brasileiro mais fiel, o cantor Milton Nascimento, com quem fez duas coreografias com trilha e nome do músico.

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Com essas histórias de amor pelo Brasil e a saudade de quem não se apresenta por aqui com o seu grupo desde 2008, Parsons está de volta para uma turnê, abençoada por seus talismãs locais. A Parsons Dance estreia em São Paulo esta semana (quarta e quinta-feira, dias 14 e 15), segue para Curitiba (dia 20) e chega à Cidade das Artes, no Rio, em 24 e 25 de agosto.

— Prepare-se Brasil, estamos chegando! — avisa um entusiasmado Parsons, em entrevista ao GLOBO de sua casa em Connecticut, nos EUA. — Estamos levando as duas peças que não poderiam faltar nesse retorno. Primeiro, “Nascimento”, já que, acima de tudo, queremos celebrar Milton. E, claro, “Caught”, porque a plateia brasileira ficaria muito chateada comigo se não estivesse no repertório.

Vídeo para Bituca

A assumidíssima gratidão de Parsons por Milton Nascimento, que já impressiona bastante, ganhará ainda uma nova camada nesta turnê. Com uma alegria juvenil, o coreógrafo revelou que decidiu por conta própria fazer um filme de celebração ao músico, para ser apresentado nos teatros brasileiros, como uma introdução aos movimentos de “Nascimento”. O vídeo — já enviado aos produtores brasileiros e ao qual a reportagem teve acesso — tem cerca de quatro minutos e é narrado pelo próprio Parsons. Com viés biográfico, mostra sua família, o início da carreira de Milton, seus principais parceiros, até chegar ao encontro com o coreógrafo, na primeira visita ao Brasil.

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Encantado com “Caught” o músico propôs uma parceria artística com Parsons. Assim veio ao mundo “Nascimento”, em 1995:

— Milton apareceu nos bastidores do Theatro Municipal do Rio e me disse que queria fazer uma peça para mim, uma partitura para a dança. Eu, com apenas 26 anos, paralisado, respondi que era ótimo, mas que não tinha dinheiro. E ele me avisou que era um presente — conta Parsons. — Isso mudou a minha vida. A partir daí, a riqueza, a generosidade, a beleza do Milton Nascimento passaram para mim.

Parsons conta que está em contato com o filho do cantor, Augusto, sonhando em vê-los na plateia do teatro, no Rio.

A dobradinha Milton-Parsons se repetiria em “Nascimento novo”, peça de 2008, desta vez com uma trilha misturando sucessos do cantor. Mas, vale avisar, a “Nascimento” original é uma dança com jeitão de musical de Broadway, com figurinos e iluminação colorida, quase um Brasil para turista ver.

— A criação seguinte com Milton, “Nascimento novo”, é mais percussiva, com toque mais brasileiro — analisa Parsons.

Ideia genial e atual

Já “Caught”, seu cartão de visitas, é uma ideia genial de mais de 40 anos que nem o tempo, a revolução digital e a inteligência artificial conseguiram estragar. Num texto no New York Times do ano passado, o crítico Brian Seibert chamou a obra de uma máquina perfeita, à prova de falhas.

São apenas seis minutos de coreografia, que, em seu ponto literalmente alto, o intérprete parece flutuar pela junção cronometrada de saltos precisos e iluminação estroboscópica. A única novidade para o público brasileiro é que, desta vez, o voo solo ficará a cargo de uma mulher. Um sinal dos tempos, confirma Parsons:

— Já faz 20 anos que as bailarinas começaram a dançar “Caught”, porque, de fato, os corpos das intérpretes mulheres estão mais fortes. E, apesar de sermos hoje inundados por coisas malucas em todas as telas e os jovens terem os sentidos mais arrefecidos, “Caught” ainda causa impacto absurdo. É preciso vê-la ao vivo —diz ele, que criou a obra para o seu próprio corpo, em 1982.

No programa, Mozart e Miles Davis

O programa da Parsons Dance nesta turnê incluiu ainda mais três peças do coreógrafo e uma de um artista convidado. De todas, a mais distante dos passos contemporâneos é “Wolfgang”, com música de Mozart. Não por acaso, foi dançada pelo Balé do Theatro Municipal no Rio, num espetáculo inteiro só com peças criadas por Parsons, ensaiadas por ele mesmo com a companhia carioca e apresentadas em 2010, na última vez que esteve por aqui.

— “Wolfgang” mostra as habilidades dos meus bailarinos no balé, até onde podem ir com sua técnica, tornando o programa mais rico — explica Parsons, que como intérprete dançou na companhia do mestre da dança moderna Paul Taylor e passou uma temporada com o Momix.

Entre as estreias, há o solo percussivo (e muito técnico) “Balance of power”, de 2020, que originalmente tem música ao vivo mas aqui será apresentado com uma gravação, e “The shape of us”, dançada ao som da banda experimental Son Lux e que acaba de ter sua première. Trata-se, segundo o coreógrafo, de uma peça que pode surpreender o público brasileiro, acostumado a suas criações mais leves e escapistas:

— Há um certo mal-estar ou um tipo de negatividade circulando pelo planeta desde a pandemia e até mesmo antes. Divisões. As pessoas estão divididas por questões políticas e econômicas. Tem a mudança climática, um sentimento negativo. Eu queria sacudir as pessoas com essa dança, como se eu dissesse: espere um minuto, esse é um planeta incrivelmente belo. “The shape of us” é uma peça que começa sombria, algo bem diferente de minhas outras obras, mas que termina com uma nota leve — avisa Parsons, cuja companhia conta hoje com nove bailarinos bem jovens e vigorosos.

O programa se completa com “Juke”, criada por Jamar Roberts, jovem coreógrafo em ascensão, que passou temporada recente como criador residente na Alvin Ailey, na qual também foi bailarino. A movimentação aqui acontece a partir de uma trilha jazzística de Miles Davis.

— Tem um elemento teatral que vai encantar o público. Mas não quero estragar a surpresa — finaliza Parsons, que hoje vai onde a companhia estiver. — Estou lá para observar cada detalhe e ter certeza de que não vamos nos tornar medíocres.