Finanças
Cade abre investigação sobre suspeita de cartel envolvendo executivos na Moratória da Soja
Associação do setor diz que atuação se dá de forma transparente e dentro da legalidade; e-mails de dirigentes embasam pedido de apuração
A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu uma investigação para apurar suspeitas de cartel envolvendo 15 executivos e dirigentes de grandes empresas e associações do setor de soja. A prática, segundo o órgão de defesa da concorrência, ocorreu no âmbito da Moratória da Soja, um acordo entre as empresas criado em 2006 para impedir a compra de grãos cultivados em áreas desmatadas da Amazônia. A formação de cartel se configura quando concorrentes se juntam para combinar preços, dividir territórios ou controlar o mercado.
Para o órgão interno do Cade, a Moratória da Soja, embora tenha sido firmada com o objetivo ambiental, acabou se tornando uma forma de padronizar práticas comerciais entre concorrentes. É esse ponto que pode configurar uma infração à ordem econômica. A instauração do inquérito é a primeira fase da apuração, que ainda deve ser analisada pelo tribunal do conselho.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa as principais empresas de grãos do país, afirmou em nota que “sempre atuou com total transparência e dentro da legalidade”. "A Abiove desconhece os documentos que teriam servido de base para essa investigação, uma vez que estão sob sigilo, inclusive das partes envolvidas", diz a entidade. Procuradas, as demais empresas citadas na investigação do Cade não retornaram aos contatos.
As empresas alvo do pedido de inquérito administrativo já são investigadas em um processo separado no Cade, instaurado em 2024, que apura a legalidade do próprio acordo que criou a Moratória da Soja. Já o novo inquérito foca nas pessoas físicas que teriam participado diretamente da coordenação das práticas.
O tribunal do Cade já havia determinado a suspensão da Moratória da Soja a partir de janeiro de 2026, por entender que o pacto, embora com fins ambientais, poderia ter efeitos anticoncorrenciais. A decisão, porém, foi revertida em agosto pela Justiça Federal em Brasília que atendeu a um pedido da Abiove e autorizou a continuidade do acordo até a conclusão das investigações.
A juíza considerou a medida do Cade “desproporcional e prematura” e destacou que a moratória é um acordo voluntário e reconhecido há quase 20 anos como instrumento de sustentabilidade, cuja interrupção imediata carecia de debate técnico mais aprofundado.
Novo inquérito
A abertura do novo inquérito, assinada em 3 de novembro de 2025 pelo superintendente-geral Alexandre Barreto de Souza, tem como base e-mails corporativos, relatórios internos e mensagens trocadas entre 2019 e 2024. Segundo ele, o material indica coordenação entre concorrentes para definir regras conjuntas de compra e comercialização de soja no país.
Um dos e-mails analisados, de acordo com a Superintendência do Cade, mostra representantes de diferentes empresas combinando previamente as respostas que enviariam a investidores sobre riscos concorrenciais. Para o órgão antitruste, esse tipo de comunicação indica uma coordenação entre empresas que disputam o mesmo mercado e deveriam tomar decisões comerciais de forma independente.
No documento que pede a abertura do inquérito, a Superintendência do Cade afirma existir de uma estrutura organizada e permanente de deliberação dentro do chamado Grupo de Trabalho da Soja (GTS) — um comitê informal criado pelas associações Abiove e Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais). Embora não tenha status oficial, o grupo funcionava, segundo o órgão interno do Cade, como um fórum regular de discussão e tomada de decisão, onde executivos e representantes das principais exportadoras de soja do país se reuniam para definir critérios, revisar regras e monitorar produtores.
Na avaliação do superintendente do Cade, as empresas usaram a estrutura da Moratória da Soja para estabelecer práticas comerciais conjuntas, o que pode ter restringido a concorrência em nome de um objetivo ambiental comum.
E-mails
As mensagens analisadas cobrem o período de dezembro de 2019 a setembro de 2024. Nelas, executivos ligados às associações e empresas do setor discutem temas como regras de auditoria, liberação de propriedades, respostas a ONGs e alinhamento de discursos com investidores.
Um dos e-mails citados, datado de 7 de maio de 2020, tinha como assunto “Resposta Abiove para investidores”. Nas mensagens, segundo a investigação, representantes de empresas do setor analisavam o conteúdo de respostas sobre riscos de concorrência. No texto, um dos participantes da conversa afirma ter comparado as versões dadas por empresas sobre riscos de antitruste e elogia o “nível de detalhamento” das respostas.
Segundo a Superintendência do Cade, a prática indica um ajuste prévio de comportamento — ou seja, uma coordenação que, em vez de refletir decisões autônomas, mostra planejamento coletivo de conduta de mercado, o que é vedado pela Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011).
Outro e-mail destacado no pedido de investigação, datado de julho de 2020, trata da elaboração de uma resposta conjunta a organizações não governamentais (ONGs) que pressionavam as empresas a ampliar a Moratória da Soja para o Cerrado, bioma vizinho à Amazônia que também sofre com o desmatamento.
Na mensagem, de acordo com a Superintendência do Cade, representantes das tradings (empresas intermediárias do setor de soja) e das associações afirmam que o objetivo do grupo é eliminar o desmatamento no Cerrado, mas reforçam que o GTS “não é um espaço para definição e negociação de compromissos individuais das tradings”. Em outro trecho, um participante escreve que “não concorda que não há mais tempo para longos diálogos que não resultem em ações pragmáticas e efetivas”, sugerindo, de acordo com o pedido de investigação, resistência à criação de novas restrições imediatas.
Para o órgão do Cade, embora as mensagens utilizem um discurso ambiental, o teor das respostas indica um esforço coletivo para alinhar o posicionamento das empresas e rejeitar a expansão da moratória para além da Amazônia. Essa atuação coordenada, segundo o órgão, vai além da defesa de um interesse comum e caracteriza “alinhamento estratégico de mercado”.
Com o pedido de abertura do inquérito, o Cade inicia a fase de instrução processual, quando poderá colher depoimentos, requisitar novos documentos e realizar diligências. O órgão investiga se houve violação aos artigos 36 e 66 da Lei nº 12.529/2011, que tratam de práticas que “limitam, falseiam ou de qualquer forma prejudicam a livre concorrência”.
Caso a suspeita seja confirmada, as empresas podem ser multadas em até 20% de seu faturamento anual, e os executivos envolvidos podem ser proibidos de exercer cargos de administração ou representação comercial por um período determinado.
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