Finanças
O que está na mesa? Clientes debatem composições de temperos em pó, glitter e fumaça líquida
EXTRA tira dúvidas sobre produtos que têm gerado curiosidade nas redes sociais
“Você sabe o que come?”. No último mês, essa pergunta parece ter preocupado muita gente, que lotou as redes sociais de descobertas, denúncias e curiosidades sobre alimentos. As conversas abordaram as composições de glitter usado em bolos e açafrão vendido em pó, passando por sal e por fumaça líquidos — e já provocaram até mudanças no comércio. Com a ajuda de engenheiros de alimentos, nutricionistas e órgãos de Saúde e Defesa do Consumidor, o EXTRA pega a lupa e desvenda rótulos nesta reportagem.
Entenda:
Bolsa Família:
Uma das primeiras discussões, levantada no canal virtual Almanaque SOS, foi a cerca de glitters usados comumente na confeitaria. Após averiguar algumas composições, o influenciador Dario Centurione identificou serem plásticos cortados em micropedaços. Ele encontrou nas embalagens siglas como PP (polipropileno), PET (politereftalato de etileno) e PMMA (polimetilmetacrilato).
Os especialistas Roberta de Souza Leone e Ricardo Schmitz, engenheiros de alimentos, explicam que todos são plásticos. Outras siglas que fazem parte do grupo são: PVC (policloreto de vinila), PEAD (polietileno de alta densidade), PEBD (polietileno de baixa densidade), PS (poliestireno) e EPS (poliestireno expandido).
— O organismo não consegue metabolizá-los. A ingestão de microplásticos é tema crescente em pesquisas científicas, com estudos apontando potenciais riscos inflamatórios e tóxicos — aponta Manuela Dolinsky, professora de Nutrição da Universidade Federal Fluminense.
A ingestão desses plásticos pode causar inflamação intestinal crônica e danos nos sistemas endócrino (hormonal), hepático, renal, neurológico e reprodutor, segundo a Coordenação de Vigilância e Fiscalização de Alimentos (CVFA) da Secretaria estadual de Saúde.
Após a repercussão do conteúdo viral, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um comunicado, reforçando que plásticos não estão autorizados como componentes de alimentos. A pasta explicou ainda como identificar um glitter seguro para usar em alimentos, a começar pela busca de especificação nas embalagens, como “para fins alimentícios” ou “para confeitar”. Se a embalagem disser que o produto é “não tóxico”, isso não é o bastante para ingerir.
A lista de ingredientes dos produtos, que é obrigatória nos rótulos, deve ter apenas aditivos autorizados para uso em alimentos. Eles podem ser citados a partir do código INS, que é um sistema de identificação internacional. No portal da Anvisa, é possível consultá-los.
‘É plástico em micropedaços’, pensei
Leia o depoimento de Dario Centurione, fundador do canal Almanaque SOS:
O Almanaque SOS usa bastante produtos de confeitaria e faz testes de comidas o tempo todo. Um dia, estávamos vendo uma receita de calda de pudim com glitter e, nos comentários, algumas pessoas falavam que era plástico. Eu pensei: “como assim?”. Aí peguei os glitters que a gente já tinha, para usar em receitas, e levei um choque quando vi “PP micronizado” no rótulo. “É plástico em micropedaços”, pensei. Fui consultar o Google, Inteligências Artificiais e era isso mesmo.
O problema é que, nos mercados, esses produtos ficam no mesmo lugar de cosmetíveis, e não em decorativos. Fomos pesquisar mais a fundo e vimos que a causa disso é mais grave. É comum as fabricantes divulgarem em suas redes sociais, blogs e feiras o uso desses produtos na comida. Eles mostram até colocando no morango do amor, por exemplo. As doceiras que compram para usar não têm culpa. O que me assustou mais foi essa indução ao uso na culinária, pelas marcas, de um produto que pode provocar microlesões.
Então a gente entendeu que, além de um problema de relação de consumo, era uma questão de saúde pública. E por isso buscamos uma resposta da Anvisa. Agora ela proibiu o uso desses glitters como componentes de alimentos.
Da mesma forma, mais recentemente, falamos sobre pós decorativos para artesanato, que são de minerais não tratados para ingestão e têm sido usados na culinária. No Almanaque SOS, eu pintei um bolo com tinta acrílica para explicar que é a mesma coisa que usar o pigmento em pó voltado para artesanato. Não há controle de qualidade da Anvisa.
A gente está buscando que os órgãos competentes se organizem para fiscalizar a venda correta desses itens, com uma comunicação mais eficiente. Não pode ser só um aviso técnico; as fabricantes têm que resolver.
A repercussão que o vídeo teve fora da internet, fora da nossa bolha foi algo grandioso. E a gente procura sempre, com responsabilidade editorial, ser propositivo, além de crítico. Então, já ensinamos lá no canal também outras formas de fazer glitter que podem ser ingeridos. A quem quiser enviar sugestões de testes pra gente fazer, as DMs das nossas redes sociais são um caminho. A gente não tem braço para fazer tudo que chega com rapidez. Mas nelas, temos um termômetro. O volume de envios de um conteúdo chama a nossa atenção também.
Especiarias são misturadas com farinhas
O açafrão em pó também entrou na mira dos investigadores na internet, quando consumidores de lojas de produtos vendidos a granel prestaram atenção aos rótulos e notaram a presença da farinha de milho. Adições de outras farinhas foram vistas na páprica e pimenta vendidos em pó.
Ricardo Schmitz, que coordena o Laboratório de Alimentos e Processos Aplicados da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sugere motivos para a mistura:
— Esses ingredientes reduzem a capacidade de absorção de umidade, mantendo a característica do pó por mais tempo. E eles também funcionam como agente de volume, o que barateia o produto.
Com pouco sabor, os ingredientes não interferem significativamente em características sensoriais dos temperos. Mas Manuela Dolinsky, professora de Nutrição da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que a qualidade nutricional cai. E acrescenta:
— Do ponto de vista da saúde, esses diluentes, como milho ou amido, não costumam representar risco direto à população geral. No entanto, há pontos de atenção: pessoas com dietas terapêuticas, alergias ou que buscam evitar produtos ultraprocessados podem ser impactadas.
Segundo a Coordenação de Vigilância e Fiscalização de Alimentos (CVFA) da Secretaria estadual de Saúde, a Anvisa determina que especiarias devem ser vendidas puras. Se tiver amido na composição, vira outro produto e deve ser especificado.
A repercussão na internet fez com que a Casas Pedro passasse a adotar na sua vitrine o nome “açafrão em pó condimentado” para identificar a mistura, diferenciando do tempero vendido puro.
— A gente sempre declarou em nosso rótulo que continha o fubá. Por isso, foi um baque notar que as pessoas não sabiam. Então, a gente procurou comunicar melhor, em todas as lojas físicas e nos canais digitais — pontua Carly Mendes, coordenadora de Nutrição da rede.
O sal líquido existe?
Na onda do que talvez “parece, mas não é”, internautas lembraram do sal líquido. A Cisne, marca da Refinaria Nacional de Sal, vende o produto, que teve a composição analisada pela engenheira de alimentos Roberta de Souza Leone, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
— O Cisne líquido é uma salmoura. Uma solução de água e sal utilizada para salgar alimentos. Precisa adicionar o iodato de potássio, pois nossa legislação determina que todo sal precisa ser iodado — explica: — Não vejo problema das pessoas utilizarem a salmoura no lugar do sal comum. Sal líquido não existe. Mas com certeza, utilizar salmoura em alimentos crocantes vai fazer com que o alimento perca a sua crocância.
Para o Procon Carioca, a comercialização desses produtos é permitida, desde que a rotulagem e a publicidade sejam transparentes, deixando clara que é uma solução de sal em água.
A Cisne contou que sua embalagem já contempla essa denominação e o site está em atualização para isso. A marca afirmou que as vantagens do produto são a facilidade para distribuição uniforme e a melhor aderência em alimentos preparados sem óleo. Ainda, orientou que, na comparação entre o Sal Cisne Líquido e Sal Cisne Tradicional (de cozinha), quatro borrifadas equivalem a uma pitada.
‘Fumaça’ à venda
Produtos chamados de fumaças líquidas e em pó também foram questionados. Afinal, o que são eles?
Analisando rótulos presentes em mercado, a CVFA explicou que a fumaça líquida é a fumaça resultado da queima controlada de serragem de madeiras após resfriamento e condensação. Para o órgão, ela é até mais segura à saúde, por passar por um processo de purificação. O fumo direto da madeira é fonte de compostos considerados cancerígenos.
Para transformar esse líquido em pó, por sua vez, são usados maltodextrina ou sal extra, o que torna o produto menos saudável, principalmente para diabéticos e hipertensos, respectivamente.
De qualquer forma, esses produtos devem ser usados com moderação.
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