Economia
'Estamos vivendo um excesso de subsídios', diz CEO da empresa de energia Engie Brasil
Dona de vários negócios na área de energia no Brasil, a francesa Engie vê o país como o carro-chefe de sua expansão da capacidade de geração renovável
No comando de uma das maiores empresas de energia do país, com atuação em geração por fontes renováveis, transmissão e transporte de gás, Maurício Bähr, CEO da Engie Brasil, acompanha quase em tempo real o nível dos reservatórios das hidrelétricas. Defensor de maior uso da água para gerar eletricidade no país, ele critica a discussão atual em torno da prorrogação de subsídios às fontes verdes, como a eólica.
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“Precisamos criar regras que permitam que a gente use os nossos recursos naturais com mais eficiência”, diz o executivo, em entrevista ao GLOBO. Para ele, os efeitos colaterais do subsídio são uma conta de luz mais alta para o consumidor mais pobre e o risco de o país afastar novos investidores.
Quais os desafios para o setor elétrico hoje, com ondas de calor cada vez mais frequentes e falhas no fornecimento?
Há três décadas o setor elétrico era basicamente hidrelétrica e térmica, mas passou a contar com outros tipos de energia, como solar e eólica, que acabaram trazendo desafios enormes à operação do sistema. Essas energias, quando começaram a ser desenvolvidas, eram muito caras e não tinham escala. Havia a necessidade de subsídios e incentivos para que fossem melhor desenvolvidas. Isso gerou uma política no Brasil que levou a um desenvolvimento enorme de solar e eólica. E talvez a gente hoje esteja vivendo um momento de excesso de subsídio. Talvez seja hora de revisitar a dinâmica dessa evolução e dar um pouco mais de simetria.
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Por quê?
Só na geração solar distribuída há mais de 23 gigawatts (GW) de capacidade desenvolvida no país. É uma energia que teve incentivo para ser desenvolvida e acabou criando uma distorção tarifária, pois quem tem a capacidade de fazer o investimento nesse tipo de tecnologia (como em painéis solares em casas, condomínios ou empresas para consumo próprio) tem condições financeiras e acaba deixando de pagar uma parte dos custos de distribuição de energia elétrica. Isso acaba onerando aqueles outros consumidores que não têm capacidade de fazer esse investimento. Os menos favorecidos, como os mais pobres, acabam pagando para os mais ricos conseguirem fazer. Gera uma distorção tarifária, que não faz mais sentido.
E como isso afeta a tarifa de energia dos brasileiros?
O custo do sistema existe. Se alguém deixa de pagar algo, a conta é dividida entre os outros consumidores. Quando alguém instala placa solar no telhado e deixa de pagar uma tarifa de distribuição, isso não reduz o custo da distribuidora. Ela terá menos consumidores para dividir a conta. O que sempre pensamos é que, quanto mais gente estiver usando, mais baixa será a tarifa.
Mas a Engie investe em energias renováveis. Ao retirar esses subsídios, vocês também não são afetados?
Precisamos criar regras que permitam que a gente use nossos recursos naturais com mais eficiência. Agora está chegando o momento de começar a cortar esses subsídios, para que elas (fontes renováveis) possam se desenvolver pelos seus próprios méritos, sem necessidade de criar novos encargos. É importante dar estabilidade e atratividade para que haja investimento nessa área, para que não haja de novo eventos de falta de energia.
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Um cenário de elevada oferta de energia traz que tipo de perda para o sistema elétrico?
Estamos com excesso de oferta no país. E isso faz com que os preços de energia no curto prazo sejam muito baixos. A tarifa para o consumidor está alta porque existem muitos subsídios e encargos no meio do caminho. Hoje você não consegue atrair grandes investimentos em nova capacidade para o país, pois o preço de energia não sinaliza um retorno para investidores no curto prazo. É um Robin Hood às avessas. E a operação do sistema passou a ser mais complexa também, porque o vento e o sol ocorrem de acordo com a natureza, você não controla. E toda vez que isso acontece você acaba retirando geração de outras fontes, como hidrelétrica e térmica. Em alguns momentos há desperdício de água. Quando se concede uma hidrelétrica, estima-se uma expectativa de geração em que 95% do tempo ela estaria atendendo ao sistema. E isso não está sendo realizado.
Qual é o percentual hoje?
Por força do excesso de eólica e solar, você acaba tirando a capacidade de geração hidrelétrica da ordem de 10% a 15% do que elas poderiam estar gerando. A água, em vez de passar pela turbina da hidrelétrica, acaba passando pelo vertedouro e não gera energia.
Para a segurança energética, é mais difícil lidar com a escassez hídrica ou com o excesso de oferta de energia?
O excesso de oferta pode levar a uma falta de oferta, porque, sem investimento em nova capacidade devido aos preços baixos, em alguns anos pode haver uma escassez de energia. A gente tem que ter um planejamento de médio e longo prazos que possa atrair investimentos e que tenha essa garantia de suprimento.
Hoje, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) se preocupa em poupar os reservatórios, porque não se sabe se haverá chuvas no futuro. Há excesso de zelo?
O que existe é uma prudência natural de quem já passou por racionamentos. Hoje, os níveis do Centro-Oeste/Sudeste estão em 64,58%. No Sul, em 93%. Agora vai começar o período úmido. Se tivermos as chuvas previstas, os reservatórios voltam a encher. E pode haver vertimento em alguma usina. As hidrelétricas poderiam estar gerando mais energia.
O que a Engie tem feito para lidar com o aumento do calor, a fim de reduzir os riscos?
Os eventos climáticos de queda de árvores com temporais acontecem naturalmente no mundo todo. Precisamos ver como essa resposta se dá no menor tempo possível. E, com base nas previsões climáticas, ter a capacidade de antever os problemas. Estamos cada vez mais monitorando nossos ativos para ter precisão. Há ainda a questão da saúde e segurança de nossos colaboradores nos entornos. Com as mudanças dos parâmetros climáticos, temos feito novas políticas para lidar com determinadas situações, operando ativos de forma remota e trazendo mais conectividade.
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Hoje fala-se em hidrogênio verde. Ele precisa de subsídios?
Não deveria ter subsídios, e sim competir da mesma forma com o que existe hoje.
Quais os planos de investimento da companhia?
Estamos investindo entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões no Brasil. Esse valor será empregado pelos próximos três anos. A área renovável é muito importante e contribui com 42GW em nível global. Desse total, 12GW estão no Brasil. O país deve representar hoje quase 50% da contribuição de receita do grupo na área de renováveis. O Brasil é o carro-chefe da capacidade de geração renovável do grupo e continua sendo um país importante de destino de investimentos. Estamos investindo em plantas solar e eólica no Rio Grande do Norte e na Bahia. Em linhas de transmissão, são em torno de mil quilômetros em construção em Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo.
Será só investimento orgânico ou aquisição?
Fizemos uma compra recente de plantas solares (em outubro, da Atlas Brasil Energia Holding, por R$ 3,24 bilhões). Estamos aguardando o Cade aprovar. Esperamos fechar a operação este ano. Aquisição, eventualmente, também pode fazer parte da nossa estratégia. Também estamos fazendo investimentos através da TAG (uma das principais redes de transporte de gás natural do país, presente em dez estados), que queremos ver como protagonista no mercado de transmissão de gás no Brasil.
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Como a Engie se prepara para o mercado livre de energia?
Essa abertura é muito bem-vinda. Quanto mais rápido esse mercado se abrir, melhor para a gente criar eficiência e tirar subsídios desnecessários.
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