Economia
GM: investimentos altos na transição para carros elétricos ajudam a explicar demissões, dizem analistas
Companhia demitiu ao menos 800 funcionários, desencadeando uma greve entre os remanescentes nas três unidades fabris de São Paulo. Especialistas apontam ajuste com nova concorrência
A queda de vendas de veículos, que pelo quarto ano ficará estagnada em 2 milhões de unidades, foi um dos motivos alegados pela General Motors do Brasil para as demissões feitas no último fim de semana em suas três unidades no Estado de São Paulo. Em protesto, trabalhadores remanescentes iniciaram uma greve.
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Analistas, no entanto, avaliam que as demissões fazem parte de um contexto mais amplo, que envolve a corrida pela eletrificação no setor automotivo, liderada pelas montadoras chinesas, e os elevados investimentos que essa transição exige. E nesse cenário de mudança histórica, as montadoras estão tentando manter a lucratividade.
— As matrizes das montadoras europeias e americanas estão investindo lá fora na eletrificação. No Brasil, elas estão deixando que as subsidiárias invistam por conta própria, e muitas estão sem caixa, por conta da queda de vendas. Enquanto isso, a montadoras chinesas chegam com carros com muita tecnologia, preços mais competitivos, elevando a pressão sobre as tradicionais — diz o professor Antonio Jorge Martins, coordenador dos cursos automotivos da FGV.
Especialistas no setor descrevem um cenário em que as chinesas focam na América do Sul para acelerar sua internacionalização. O Brasil é um alvo preferencial, por ser o maior mercado da região e hub de exportação para os países vizinhos. A BYD anunciou investimentos de R$ 3 bilhões para montar três fábricas na Bahia, enquanto a Great Wall Motors (GWM) comprou a fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP). O governo chinês ajuda a expandir as marcas chinesas com subsídios.
— Elas trazem carros com preço e tecnologia muito atrativos, embora as vendas ainda estejam num patamar baixo — diz Milad Kalume Neto, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Jato, consultoria especializada no setor,.
Ele lembra que os preços dos carros subiram muito no Brasil recentemente com a falta de componentes provocada pela quebra da cadeia de fornecimento durante a pandemia.
A GM anunciou que vai buscar a eletrificação total de seus veículos até 2035 desembolsando algo como US$ 27 bilhões. A montadora americana, entretanto, anunciou nesta semana que desistiu de um plano conjunto com a Honda para desenvolver veículos elétricos mais baratos, num investimento conjunto de US$ 5 bilhões.
A decisão mostra uma mudança estratégica da montadora, deixando de lado a fabricação de carros mais baratos, para se concentrar na lucratividade. Nos EUA, a GM enfrenta uma greve do sindicato United Auto Workers (UAW), com custos que chegam a US$ 200 milhões por semana este mês.
Portfólio defasado
No Brasil, não há informações precisas sobre os planos e os investimentos para essa guinada. Analistas lembram que a GM foi líder do mercado por vários anos, com seu Onix, mas o modelo vem perdendo atratividade entre os consumidores. Para os analistas, o portfólio de carros da GM ficou defasado em relação à concorrência.
Marcus Ayres, especialista no setor automotivo e CEO da Senza Partners, observa que a opção no Brasil de algumas montadoras têm sido a produção de modelos híbridos, incluindo uso de etanol. Se a GM quiser repetir no país sua estratégia no exterior para a eletrificação, haverá mais riscos, especialmente na infraestrutura, já que o país não tem uma rede de carregadores suficiente.
— É um desafio passar dos modelos a combustão diretamente para os elétricos aqui, já que o país tem problemas de infraestrutura, como colocar carregadores nas vagas dos prédios já construídos — diz Ayres.
Plano de demissão voluntária recusado
Antes de anunciar as demissões no Brasil, a GM tentou implementar um programa de demissão voluntária, que não foi aprovado pelos trabalhadores nas assembleias. Isso sinaliza que a empresa já vinha tentando enxugar custos. A montadora falava em mão de obra excedente, sem dar números. Como o PDV não vingou, a empresa partiu para as demissões nas três unidades paulistas.
Apenas na fábrica de São José dos Campos (SP), que produz 150 carros por dia, foram demitidas 800 pessoas de um total de 4 mil trabalhadores. Os 12 mil funcionários das três unidades estão em greve desde a segunda-feira, quando as demissões foram confirmadas.
Nos trabalhadores estão realizando diversos atos, esta semana, contra as demissões e chegaram a pendurar os uniformes nos portões da fábrica de São José dos Campos, como forma de protesto.
Dispensa por e-mail e telegrama
Os sindicatos de metalúrgicos que representam esses trabalhadores dizem que as demissões foram feitas de forma arbitrária e sem qualquer negociação com as entidades, como é de praxe. Os funcionários foram demitidos no último fim de semana por e-mail e telegrama, descumprindo acordo fechado durante o lay off (suspensão temporária dos contratos de trabalho) de que haveria estabilidade.
Os sindicatos argumentam que, ao contrário do que diz a montadora, houve aumento de vendas no Brasil de 18,18% entre abril e junho deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. Além disso, a GM obteve lucro líquido de US$ 2,57 bilhões no segundo trimestre deste ano, um aumento de 51,6% na comparação anual.
Os sindicatos enviaram cartas ao presidente Lula, ao ministro do Trabalho em Emprego, Luiz Marinho, e ao governador Tarcísio de Freitas, pedindo reunião para a discussão das demissões.
Incertezas dificultam planos das montadoras
Murilo Briganti, diretor de Operações da consultoria Bright Consulting, especializada no setor, diz que, no Brasil, há uma série de incertezas que atrapalham os investimento das montadoras.
— Aqui ainda não se sabe se o imposto de importação de carros elétricos vai voltar, como será a nova etapa do programa Rota 2030. Diante desse cenário de indefinição de regras no Brasil, os planos de investimento ficam comprometidos — diz Murilo Briganti, diretor de operações da consultoria Bright Consulting, especializada no setor.
Para o professor Antonio Jorge Martins, da FGV, não há definição de políticas ou ações que ajudem na recuperação da indústria nacional — incluindo o setor automotivo. O governo federal deu incentivo tributário para acelerar as vendas de carros de entrada, mas o programa se encerrou em pouco mais de um mês — e os problemas voltaram.
Antes do incentivo tributário do governo, as montadoras já vinham com estoques altos resultado de vendas fracas num cenário de juro alto e perda de renda do brasileiro. Até mesmo as exportações de veículos fabricados no Brasil caíram, especialmente para Argentina, que está em crise.
GM: 'adequação é necessária'
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que representa as montadoras, lembra que o país tem um parque industrial automotivo com capacidade de fabricar 4,5 milhões de veículos ano, o que mostra uma grande ociosidade atualmente. Os juros altos não ajudam as vendas no crédito e os carros ficaram mais caros no Brasil também por questões regulatórias, atendendo às novas normas de emissão de poluentes.
Procurada, a GM informou em nota que a queda nas vendas e nas exportações levaram a montadora a adequar seu quadro de empregados nas fábricas de São Caetano do Sul, São José dos Campos e Mogi das Cruzes, todas em São Paulo. A medida foi tomada após várias tentativas atendendo as necessidades de cada fábrica como, lay off, férias coletivas, days off e proposta de um programa de desligamento voluntário, afirmou a empresa.
"Entendemos o impacto que esta decisão pode provocar na vida das pessoas, mas a adequação é necessária e permitirá que a companhia mantenha a agilidade de suas operações, garantindo a sustentabilidade para o futuro", disse a montadora em nota.
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