Economia

Design troca o Rio por uma fazenda pioneira de aquacultura orgânica no Rio Grande do Norte

Morte do marido, em 2015, fez Márcia Kafensztok assumir o negócio de criação de ostras e camarões

Agência O Globo - GLOBO 22/08/2023
Design troca o Rio por uma fazenda pioneira de aquacultura orgânica no Rio Grande do Norte

A designer carioca Márcia Kafensztok trocou Copacabana por uma fazenda em Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte. Seu plano inicial era apenas acompanhar a empreitada do marido biólogo, Alexandre Alter Wainberg, na criação de ostras e camarões, enquanto ela seguia com seus croquis.

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Mas, com o falecimento dele, em 2015, a empresária viu-se à frente da Primar, um negócio tão novo para ela quanto para o país: a propriedade rural é a primeira do Brasil a atuar com aquacultura orgânica certificada.

— Eu não tinha o conhecimento técnico do negócio, então minha saída foi trazer especialistas para reabrir nosso laboratório de criação de sementes de ostras — conta. — Eu queria dar sequência ao que era o projeto de vida do Alexandre.

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Sementes de ostras? Sim, isso mesmo. Márcia, hoje uma expert no assunto, explica que o termo é usado como referência aos gametas que passaram por uma fecundação e darão origem às ostras.

Nesta safra, o laboratório da Primar produziu 1,6 milhão de sementes, volume duas vezes maior que o do ciclo anterior. O recorde de produção ocorreu na temporada 2020/21, quando a propriedade chegou a 3 milhões de sementes.

Safra de janeiro a junho

Depois de mais ou menos 20 dias no ambiente protegido do laboratório, as sementes passam para um segundo estágio, em que vão se desenvolver em tanques até se tornarem juvenis. Nessa fase, basta mergulhar o braço em um dos tanques para pegar um punhado de pequenas ostras na palma da mão.

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Ali elas ficam por mais um período, até alcançarem o tamanho de 40 a 50 milímetros. Em seguida, elas são vendidas a outros produtores, que farão a engorda dos juvenis para a oferta ao consumidor final. Em uma analogia com o ciclo da pecuária, a produção das sementes de ostra seria como a cria; o crescimento até a fase juvenil, a recria; e o estágio final corresponde à engorda.

A safra de produção de ostras da Primar vai de janeiro a junho. Márcia diz que o laboratório precisa ficar fechado no restante do ano, já que a água da lagoa onde ocorre a reprodução fica muito doce, o que diminui a produtividade:

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— Estamos a sete quilômetros do mar, em uma lagoa de água salobra, devido ao encontro de águas oceânicas com rios da região. Essa água é cheia de micro-organismos que servem de comida para o camarão. Se a gente estivesse na praia, talvez não conseguíssemos ter a produção orgânica, porque faltaria esse alimento.

Um dos elementos da certificação da Primar é que a fazenda usa apenas alimentação natural do habitat para camarões e ostras, no caso microalgas. Propriedades rurais convencionais utilizam ração.

No caso do camarão, a produção ocorre o ano inteiro. Segundo Márcia, a fazenda compra as larvas do animal de um laboratório e faz o processo de engorda durante cerca de 60 dias. A produção anual é de cerca de 40 toneladas.

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É a venda direta de camarões ao consumidor, por delivery, que ajuda a pagar as contas, respondendo por quase 60% do faturamento da Primar.

Prêmio ‘Mulheres do Agro’

Mas, mesmo com essas receitas, a fazenda depende de auxílio financeiro. O custo de funcionamento do laboratório é de R$ 180 mil por safra, enquanto a despesa total para o funcionamento da propriedade é de R$ 1 milhão por ano.

Por estar ligada a universidades e pesquisadores do Brasil inteiro — um trabalho iniciado pelo marido da empresária —, a Primar conseguiu um aporte de € 120 mil da União Europeia por meio de um projeto de incentivo à aquacultura para o período de quatro anos. A iniciativa acaba este ano.

— Ainda não sabemos como vamos financiar a próxima safra. Estamos entrando em vários editais de projetos — conta a empresária.

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Para além da produção rural, a ideia de Márcia é fazer da Primar um instituto de pesquisa sobre o segmento, em que a divulgação de conhecimento, principalmente sobre as ostras, é precária. Atualmente, a fazenda já recebe estudantes e especialistas de todo o país.

Em 2021, a história da Primar levou Márcia ao primeiro lugar no prêmio “Mulheres do Agro”, promovido pela Bayer e pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). A produtora conta que o reconhecimento a fez entender a importância de dividir suas experiências com outras mulheres.

E, mesmo com muito tempo dedicado à aquacultura, ela ainda mantém vivo seu espírito de designer: Márcia tem um ateliê junto de casa, onde as costuras, croquis e produções artísticas são seu hobby.