Economia

O que aconteceu com o fundo do Pátria, que pode ter deixado o investidor 'devendo'?

Valor da cota na aplicação passou de R$ 10,55 para R$ 301,55 negativos. Entenda o caso

Agência O Globo - EXTRA 28/07/2023
O que aconteceu com o fundo do Pátria, que pode ter deixado o investidor 'devendo'?
Dívidas - Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Quando alguém fala que se endividou, em geral, se interpreta que ela gastou mais do que podia. Cotistas de um fundo de investimento da gestora Pátria, no entanto, conseguiram uma dívida fazendo justamente o contrário, poupando dinheiro, e agora podem ter que fazer um novo aporte para não ficar com o nome sujo.

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De acordo com fato relevante publicado nesta semana, o valor da cota do Pátria Special Opportunities II Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia saiu de R$ 10,55 para R$ 301,05 negativos. A justificativa dada foi que o “ajuste reflete o desinvestimento integral da Portfolio Centro Sul S.A., companhia anteriormente investida pelo Fundo”, holding do setor de shopping centers.

Investimento em shopping

Adriano Rondeli, especialista de alocação da Valor Investimentos, explica que a tese de investimento em shoppings já vinha se mostrando duvidosa há alguns anos. Depois da pandemia, porém, com o fechamento de lojas e a alta inflação decorrente, a situação ficou ainda pior.

O Pátria, então, optou por vender quatro de seus shopping centers, localizados em Taubaté (SP), Lages (SC), Varginha (MG) e Bragança Paulista (SP). Os ganhos com a operação não foram suficientes para compensar gastos determinados em contrato, o que resultou em um rombo para os investidores.

— Eles venderam um ativo que estava com bastante dívida. Todos os custos fizeram que a cota ficasse negativa — explica Rondeli – O Pátria geralmente atuava com consolidação em mercados fragmentados, mas isso não deu certo com os shoppings.

Investidores profissionais

Até junho, o fundo tinha patrimônio líquido de R$ 560.679,38 e, dentre os cotistas, 48% eram pessoas físicas; cerca de 39% eram outros fundos de investimento; 9%, pessoas jurídicas não financeiras; e 6%, estrangeiros — todos investidores profissionais, ou seja, com mais de R$ 10 milhões em investimentos.

Sem nenhum bem possível a ser liquidado, o mercado avalia que os cotistas podem ser chamados em breve a contribuir para zerar a dívida, para que o fundo possa encerrar as atividades.

Essa não foi a primeira vez que a Pátria decepcionou seus clientes. O fundo Special Opportunities I, que chegou a levantar R$ 1 bilhão no seu lançamento e a captar a mesma quantia em dívida para investir também no setor de shopping centers, observou o valor de suas cotas despencar de R$ 1.000 para pouco mais de R$ 4 durante a pandemia.

Sem perspectiva de melhora, ao invés de pedirem recuperação judicial, os gestores optaram pela capitalização, abrindo o Special Opportunities II.

Enquanto isso, investidores se preocupam não só com a perda do dinheiro alocado, mas também com a necessidade de um novo aporte. Eduardo Silva, presidente do Instituto Ibero-Americano da Empresa, diz que, caso decida não pagar, o cotista pode, até mesmo, ter seus bens penhorados. Por isso, recomenda que os lesados peçam uma análise das documentações do fundo para averigar se houve alguma irregularidade.

— Existem uma série de medidas que poderiam ter sido tomadas para que isso não acontecesse. O que está em jogo é uma possível quebra de deveres do gestor em relação aos cotistas — aponta.

A professora de Finanças da USP, Elaine Borges, acredita que as mudanças previstas na resolução 175 da CVM, que entra em vigor em outubro, podem ajudar a proteger investidores em casos como esse. Pela nova regra, a responsabilidade dos cotistas poderia ser limitada, impedindo que fossem obrigados a arcar com prejuízos em casos como esse.

— Esse caso do Pátria não é o primeiro do mercado. A última mudança na regulação dos fundos, que está sendo implementada aos poucos até o fim de 2024, vai resolver esse problema pois pretende limitar as perdas dos cotistas ao valor investido. Mas, até lá, o cotista fica vulnerável e depende do regulamento do fundo — alerta Elaine.

Apesar de muitos investidores não terem conhecimento, Bruno Komura, da Ouro Preto Investimentos, conta que a mesma regra vale para diversos fundos, como multimercado ou de ações:

— É desconhecido porque acaba sendo raro, mas pode ocorrer em qualquer fundo alavancado. Isso acontece porque os cotistas são como sócios, então têm que dividir o prejuízo também na maioria dos casos.