Economia

Alimentos: após lupa que indica 'alto teor' de ingredientes, indústria altera produtos e reduz açúcar, sódio e gordura

Pollyanna Brêtas e Leticia Lopes

Agência O Globo - EXTRA 24/07/2023
Alimentos: após lupa que indica 'alto teor' de ingredientes, indústria altera produtos e reduz açúcar, sódio e gordura
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Quase um ano depois do início das mudanças na rotulagem de alimentos, com a introdução da chamada lupa frontal — indicando que o produto tem alto teor de açúcar, sódio e/ou gordura saturada —, as marcas iniciaram um movimento para mudar a composição de produtos e reduzir a adição desses ingredientes. O objetivo é não atingir o limite permitido e retirar do rótulo a indicação obrigatória. Mas para preservar o sabor, o aroma e a textura, esses itens podem ser substituídos por aditivos, o que impacta na qualidade. Por isso, é preciso atenção.

A Danone, por exemplo, informou que, para melhorar a qualidade nutricional de seus produtos, está diminuindo a quantidade de açúcares, sódio e gordura das composições:

— Um dos exemplos é o Danoninho, que reduziu mais de 40% do açúcar. A reformulação incluiu redução de aproximadamente 7% de açúcares totais em todos os petit suisse da marca. Já as quantidades de vitaminas e minerais, como cálcio e vitamina D, foram mantidas — exemplifica Ana Grubba, diretora de Assuntos Médicos da Danone Brasil.

A Nestlé afirma ter intensificado o lançamento de alimentos funcionais, integrais com ingredientes vegetais, grãos e sementes, com vitaminas e minerais, e reduziu itens sensíveis à saúde. A empresa diz ainda que tem simplificado a lista de ingredientes. Segundo a marca, desde 2014, foram retirados 22 mil toneladas de açúcares, cinco mil toneladas de gorduras saturadas e 690 toneladas de sódio.

A Bauducco ressaltou que novas regulamentações de rotulagem e de alimentos integrais são para a indústria “uma oportunidade de melhoria de processos e de qualidade nutricional”.

A principal mudança na legislação é a rotulagem frontal, um símbolo informativo na parte da frente das embalagens com o desenho de uma lupa, seguido da informação “Alto em”. O objetivo é informar ao consumidor sobre os níveis de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio nos alimentos, dada a importância para a saúde.

Para Alexandre Novachi, diretor de Assuntos Regulatórios da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), algumas categorias não conseguem mudar seus produtos até pela própria constituição dos alimentos:

— Ter a rotulagem frontal não que dizer que o produto é ruim. A mudança é para dar transparência e facilitar a identificação dos itens.

Procuradas, a Mondelez, a Heinz, a PepsiCo e a M. Dias Branco não responderam.

Substituições nas listas

Para Mariana Ribeiro, nutricionista do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a reformulação das linhas de produtos de algumas marcas não quer dizer que os alimentos estão se tornando mais saudáveis. Segundo ela, pode haver, em alguns casos, a retirada de açúcar, mas a substituição por adoçantes, aditivos químicos ou edulcorantes:

— Esse movimento ocorreu no Chile, por exemplo. As marcas não querem ter o aviso no rótulo, e estão tentando não atingir o percentual e não apresentar a lupa. Mas a reformulação não significa que o alimento se torna mais saudável. É preciso analisar a lista de ingredientes, e verificar se se encaixa na categoria de ultraprocessados.

Para a Abia, a redução de açúcar ou outro ingrediente não necessariamente prevê a adição de substitutivos:

— O acordo de redução voluntária de açúcar, sódio e gordura não previa a substituição deles por edulcorantes. Mas é preciso entender a segurança desse ingrediente, aprovado pela Anvisa e por outras agências fora do país — ressalta Alexandre Novachi.

Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP), Luisa Gazola observa a mudança na composição desde o novo regramento de rótulos ocorrido em bebidas açucaradas, como refrigerantes, bebidas lácteas e sucos processados:

— Esses produtos trocaram o açúcar por outros compostos que adoçam e são prejudiciais, como adoçantes e edulcorantes. Em outros casos, adicionam substâncias a base de lactose, que é o açúcar do leite.

Embalagem de integrais pode confundir

Outra alteração de rótulos entrou em vigor em abril, e prevê novas regras para classificação de alimentos integrais como pães, torradas e biscoitos. Para que a palavra “integral” esteja no produto, o item deve ter pelo menos 30% de componentes integrais.

Para o Idec, a mudança em algumas marcas está confundindo o consumidor. O Observatório de Publicidade de Alimentos (OPA) recebeu denúncias de que algumas embalagens trocaram a inscrição “100% Integral” para “100% Nutrição ou Saúde ou Natural”. A Bimbo Brasil reforçou que seus rótulos de pães integrais da linha Nutrella têm selo 100% Natural, deixando claro que são 100% de origem vegetal. Diz ainda que os pães Nutrella são livres de aditivos químicos e conservantes.

‘A maioria dos produtos não terá selo frontal’

Entrevista - Alexandre Novachi, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia)

Que mudanças estão sendo feitas?

Os hábitos alimentares vêm passando por profundas transformações, impulsionadas por rápidas mudanças de comportamento dos consumidores. As mudanças na legislação sobre regulamentação da rotulagem, implementadas pela Anvisa, pela primeira vez terão uma analise de impacto regulatório, que vai mostrar o resultado no mercado — o setor e os consumidores.

Qual é o movimento que está ocorrendo no mercado?

A maioria (dos produtos) não vai ter selo de açúcar, por exemplo,porque estão retirando a quantidade limite para a marcação. Há a mesma expectativa em outras categorias. Foram dois anos de preparação na indústria para essa adaptação. Seo concorrente vem sem o selo, eu vou me esforçar para retirar o meu também.

O que a indústria tem feito?

A indústria de alimentos investe cerca de 4% de seu faturamento anual em inovações. No ano passado, o investimento foi de R$ 6 bilhões, dedicados ao desenvolvimento de produtos com perfis nutricionais diferenciados, como as linhas de alimentos enriquecidos com fibras e vitaminas; com teores reduzidos de sódio, açúcares e gorduras.

Qual é o objetivo?

O objetoprimeiro é melhorar a informação ao consumidor. E também é a inovação e a melhoria na qualidade das fórmulas, reduzindo a presença dessesnutrientes nos seus produtos. Em acordos voluntários firmados com o Ministério da Saúde, o setor já retirou 310 mil toneladas de gorduras trans dos alimentos industrializados, 30 mil toneladas de sódio e, atualmente, trabalha para o atingimento das metas dos açúcares: retirar 144 mil toneladas de 23 categorias de alimentos e bebidas até o fim de 2022. A elaboração de uma nova etapa de redução de sódio também teve início neste ano.

Algumas linhas de produtos estão fazendo movimentos mais específicos?

Alguns produtos com alegação sem adição ou zero açúcar,em função do critério de açúcares adicionados, tendem a desaparecer. Nos snacks não deve haver nenhum grande movimento inicial, porque os biscoitos salgados acabaram de fazer o movimento da retirada voluntária de sódio.

Outras categorias vão mudar?

Os molhos terão selo por causa da gordura, assim como chocolate. Nosiogurtes, o natural está isento, mas aqueles que têm adicionais são elegíveis à Lupa frontal. Talvez essa categoria vai ser penalizada porque a porção de consumo é de 200 gramas. O tamanho das porções pode penalizar algumas categorias, e beneficiar outras. A gordura saturada está no leite ou na fruta. Em categorias que tem o açúcar de adição, a indústria tem onde trabalhar e pode usar menos açúcar eadicionarfibras. Os queijos em geral não terão a rotulagem, Mas o queijo com pistache, o queijo brie com damasco ou com morango terá.

Que mudanças estão por vir em termos de regulação?

Estamos discutindo a rotulagem geral da lista de ingredientes dos produtos no Mercosul para tentar unificar a questão nos países do bloco. Estamos discutindo os critérios de elegibilidade e devemos melhorar. Temos até o fim deste ano para terminar as discussões sobre harmonização.