Curiosidades

Como arrumar tempo para ler? Confira as dicas de Fátima Bernardes, Tony Bellotto, Letrux e outras personalidades

Nomes da literatura, da música, das novelas e do futebol contam como driblam a tentação do celular e a dificuldade de concentração para ter uma rotina de leitura — nem que seja na bicicleta ergométrica

Agência O Globo - 02/11/2025
Como arrumar tempo para ler? Confira as dicas de Fátima Bernardes, Tony Bellotto, Letrux e outras personalidades
Fátima Bernardes - Foto: Instagram - @fatimabernardes

Está cada vez mais difícil arrumar tempo para ler. A rotina atarefada, o cansaço e as notificações piscando na tela do celular, tudo trabalha para sugar nossa atenção e nos afastar dos livros. Tanto que na última pesquisa Retratos da Leitura, divulgada em novembro do ano passado, . E mesmo quando ele sobra, a leitura precisa competir com um punhado de outros lazeres. Em resposta à pergunta “o que gosta de fazer em seu tempo livre?”, a leitura de livros, impressos ou digitais, ficou em décimo segundo lugar, citada por 20% dos entrevistados. Bem atrás do uso da internet (78%), dos aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram (71%) e das redes sociais (49%).

Cristina Peri Rossi:

Mauricio de Sousa:

De 2019 e 2024, o Brasil perdeu sete milhões de leitores. No ano passado, 53% dos entrevistados declararam não terem lido nenhum livro, inteiro ou em partes, nos três meses anteriores. Os índices de leitura não estão em baixa só aqui. Em agosto, uma pesquisa da Universiy College London e da Universidade da Flórida constatou quede 28% para 16% entre 2004 e 2023 — queda de cerca de 40%.

Diante desses números, a revista americana New York questionou leitores experientes sobre como eles encontram tempo para ler. No mesmo espírito, o GLOBO contatou personalidades de diversas áreas — das novelas à música, da literatura ao futebol — para perguntar como mantêm uma rotina de leitura. As respostas mostram que o celular é o maior inimigo do hábito. Se estiver lendo e topar com uma palavra desconhecida, é melhor nem pegar o telefone para checar o significado. O risco é passar um tempo irrecuperável nas redes.

'Coração sem medo':

Esses leitores incansáveis inventaram estratégias a fim de arrumar tempo: de sair de casa para ler a aprender a virar as páginas equilibrando-se sobre uma bicicleta ergométrica. Confira os depoimentos.

Tony Bellotto, músico e escritor

Deixo um livro na cabeceira para ler antes de dormir. Quando viajo para fazer show, aproveito para ler no ônibus ou no avião. Em casa, gosto de deitar depois do almoço para ler. Percebo que as redes sociais têm me tomado tempo de leitura. Às vezes, à noite, pego o celular para uma checada e acabo nunca chegando ao livro. Ou quando chego já estou com muito sono e abandono o livro rápido. Por isso que gosto de ler no avião: não tem internet. Às vezes, me coloco algumas metas, como ler os clássicos. Passei um ano só lendo “Em busca do tempo perdido”, do Marcel Proust. Quando estou escrevendo e chego a um impasse, volto aos meus autores favoritos: , Hemingway, John Fante, .

Letrux, cantora e escritora

Costumo ler mais antes de dormir e no avião. Eu amo não ter wi-fi no avião. Meu sonho é que a internet desligasse toda noite às oito. Sou bem fraca de resistir à tentação das redes, entro mais do que eu deveria e queria. O que mais rouba o tempo de leitura é o scrolling aleatório. Quando me vejo na página da veterinária da mãe do marido da filha da Xuxa penso: “chega!” Ainda não entrei no mundo dos e-books, nem audiolivros, mas sei que esse momento vai chegar. Mas sem pressa. Durante a pandemia, conseguia ler mais de um livro de uma vez. Estou sempre lendo uma biografia, sei que há coisas ruins no mundo, mas também há biografias bem escritas, vidas bem analisadas de gente que admiro e tenho curiosidade. Leio muitos romances e poesias. Ganho muitos livros dos fãs, a maioria poesia. Gosto de sair do celular e fazer palavras cruzadas antes de pegar um livro. Acho que é uma boa transição de mundos. Me ajuda um pouco.

Luiz Antonio Simas, historiador

Não sou um sujeito noturno. Durmo cedo, acordo 4h, 4h30. Meu horário de leitura predileto é o do dia nascendo. Sair do Twitter (antigo nome da rede X) foi crucial para ter mais tempo para ler. Uso o Instagram só para divulgar meu tra- balho, mas no Twitter era muito ba- te-volta, me consumia. Por incrível que apreça, o que mais me rouba tempo de leitura não é o celular, é o vício em ver futebol na TV. Sou daqueles que assistem a qualquer campeonato. Me dá peso na consciência, mas não consigo me livrar.

Jeferson Tenório, escritor

Tento ler de manhã, entre às 10h e o meio-dia, que é quando o meu filho dorme. O celular e as redes sociais roubam muito tempo de leitura. A epidemia de falta de atenção não afeta só os jovens. Leio num cômodo sem celular e sem computador perto. Tento criar um ambiente propício, com pilhas de livros em volta. Começo ouvindo uma música ou lendo um poema. O poema é mais para ajustar a sensibilidade, para ajudar a sair do mundo real. Para mim, a leitura é sempre um diálogo com o livro, por isso não leio sem um lápis para riscar e fazer anotações. Não conto quantos livros leio, às vezes não termino ou vou até a metade e pulo para o final. Sempre leio mais de um livro por vez. Em cima da minha mesa tem uns cinco ou seis livros aos quais estou ligado de alguma forma.

George Moura, roteirista

Leio durante a semana, à noite, e com o celular em outro cômodo da casa, pois a concorrência entre livro e celular é desleal. Nos finais de semana, fico numa cadeira de leitura com quebra-luz. Adoro ir à livraria e comprar livros resenhados nos jornais. Vou fazendo uma pilha, na mesinha ao lado da cama, que chamo de “O morro dos livros uivantes”. Um lugar muito bom para leitura é avião, sobretudo quando não tem wi-fi. Para mim, a visão do paraíso é uma rede, uma brisa e um livro nas mãos. E que fique claro: a rede não é a social. É a de tecido mesmo, que nos embala para o sonho.

Felipe Hirsch, dramaturgo

Talvez o meu grande trunfo seja e conseguir ler vários livros ao mesmo tempo. Quatro, cinco até ou até seis livros de uma vez. Tenho cerca de 15 mil livros. Na sala, ficam os que eu já li, que estão ali para consulta. Tem os urgentes, de trabalho. Os obrigatórios, para os quais eu sempre retorno. Uma parte da biblioteca eu visito toda noite, separo uns livros e fico lendo até duas, três da manhã. Esses livros da noite são não os cinco ou seis que eu estou lendo do começo ao fim. Leio um capítulo e eles voltam para a estante. São livros que eu vou provando.

Lilia Moritz Schwarcz, historiadora e antropóloga

Leio na esteira, na bicicleta ergométrica. Não sei dormir sem um pouco de ficção. Minha vida é pesquisar. Leio muito para o trabalho, para dar aula. Leio mais livros físicos porque gosto de anotar.

Lilia Guerra, escritora

Gosto muito de sair de casa para ler na biblioteca, no parque. Em casa, tudo pode parecer urgente e as interrupções, inevitáveis. Se estou num ambiente externo, para onde fui com o objetivo de ler, desligo o celular como se faz no cinema ou no teatro, determino um tempo mínimo de duração da sessão e só me levanto depois do final desse tempo estabelecido.

Rosane Svartman, autora da novela ‘Dona de mim’

Por causa da novela, estou lendo muito pouco, infelizmente. Prefiro livro físico. O título, o nome do autor, tudo isso fica mais presente na memória quando pego o livro todo dia, vejo a capa, acho a página. Às vezes, pela falta de tempo, a praticidade do Kindle me conquista. Leio um pouquinho todo dia, antes de dormir. É assim que me desligo de tudo e me transporto para outro lugar.

Fátima Bernardes, apresentadora

Sempre tenho um livro na bolsa, para aquelas horas em que temos de esperar o médico, o dentista ou outro compromisso. À noite, sempre estabeleço um horário para parar de ver o celular e me concentro na leitura. Para não atrapalhar o sono, quando já estou deitada, prefiro o Kindle, que tem uma luz noturna que não é estimulante, nem agita como a do celular. Leio mais de um livro por vez: um físico e outro virtual. Para não perder o ritmo, o ideal é ler todos os dias, mesmo que poucas páginas. Quando preciso ler para o trabalho, chego a ler mais de dois ao mesmo tempo. Quando planejo uma viagem de férias, já penso no que ler.

Jup do Bairro, cantora e artista multimídia

Por muito tempo, eu iniciava um livro e desistia sem perceber, por qualquer distração que aparecia, até ele voltar para a estante. Hoje, tento dedicar pelo menos de uma a duas horas à leitura por dia. Se o livro é curto e empolgante, termino no mesmo dia. Mas confesso que a rotina nem sempre permite, às vezes só dá tempo de ler a orelha. Gosto de livro físico, inclusive acho que “ler com os dedos”, ouvindo o barulho do papel ao mudar a página, me ajuda na concentração. Quero ler mais, e a verdade é que preciso dar o próximo passo: colocar o tempo para leitura no alarme do celular.

Natalia Timerman, escritora

Adoraria que duas horas de leitura por dia coubessem na minha vida, mas isso está longe de acontecer. Prefiro andar de ônibus que de carro para poder ler. Às vezes, consigo ler à noite, depois que o meu filho mais novo dorme. Para ler e escrever, coloco o celular em modo avião. Evito procurar palavras no Google, porque de repente estou no Instagram, respondendo mensagens, se passaram 40 minutos e nem lembro mais qual era a palavra que ia procurar. Tenho muitas metas de leitura, mas é óbvio que não consigo cumpri-las. Na minha mesa de cabeceira tem uns 60 livros. É até meio opressor. É a distância entre o que a minha vida é e o que eu queria que ela fosse. O grande desafio de quem gosta de ler, e acho que isso é uma metáfora para a vida, é lidar com a nossa insuficiência, com a constatação de não vamos ler tudo o que queremos. Me dei conta disso quando meu pai morreu e vi na cabeceira dele todos os livros que ele não leria mais.

Antonio Obá

Leio bastante durante o processo de criação. A obra requer isso, um certo método de pesquisa, averiguação, aprofundamento. Geralmente, as referências que leio sempre têm a ver com o que estou produzindo ou pensando em produzir, e vice-versa. Não tem uma regra fixa. Existe, sim, o interesse obstinado. Começo a ler determinado livro e daí me dedico a escutar seminários, aulas, críticas sobre obra e seu autor, fazer leituras correlatas e, bem, isso acaba expandindo o tempo de terminar um livro e, consequente- mente, escapando ao largo dessa ideia mecanizada de meta de leitura. Há uma fila de livros que pretendo ler ainda e eles andam se multiplicando na estante.

Rodrigo França, ator e diretor

Aprendi a não esperar o tempo livre para ler, porque ele nunca chega. Leio no intervalo do café, antes de dormir, em deslocamentos. O que mais rouba tempo de leitura é o ruído. E as redes sociais são ruído. São feitas para fragmentar o pensamento e acelerar o que deveria ser pausa. Tenho uma meta simbólica: no mínimo 12 livros por ano. Às vezes, leio dois ou três ao mesmo tempo: um por curiosidade, outro por prazer, outro por ofício. Ler é um gesto de resistência. Num país que tantas vezes tenta nos convencer de que pensar é perda de tempo, a leitura é insubordinação.

Gustavo Scarpa, jogador de futebol

Um dos pontos positivos de concentrações e viagens é permitir a prática de hobbies como a leitura. Não tenho uma rotina. Se me dá vontade, pego um livro, independentemente de onde estou. O que mais me rouba tempo de leitura é o xadrez. Eu gosto de livro físico. E-book? Sem chance. Audiolivro? Não consigo. Para criar o hábito, me ajudou começar com livros curtos, histórias le- gais. Um amigo que trabalhava no Palmeiras me indicava li- vros, me deu “O médico e monstro”, de Robert Louis Ste- venson, que achei sensacional. Depois veio Kafka, que não é uma leitura fácil, mas prende muito a atenção. Quando vi, estava lendo , Vitor Hugo, .