Palmeira sentada em cima do pavio aceso
Há cidades que nascem sob o signo da paz, outras sob o signo da luta. Mas há também aquelas que vivem à sombra de algo ainda mais incômodo: a incerteza. Palmeira dos Índios, nos últimos meses, tem sido exatamente isso — um imenso campo magnético onde boatos puxam para um lado, fake news puxam para o outro, e no meio, à deriva, está o povo. Especialmente os pequenos agricultores, que trabalham de sol a sol, mas que, ironicamente, são tratados como jogadores de um tabuleiro que não foi feito para eles moverem peças.
E eis que agora, como quem anuncia o fim de um suspense prolongado demais, o Supremo Tribunal Federal marca para o dia 5 de dezembro o início do julgamento que pode, enfim, dizer ao país — e a Palmeira — o óbvio ululante: qual é o caminho jurídico das demarcações de terras indígenas.
A votação será virtual, silenciosa, quase litúrgica. Mas o impacto será tudo, menos silencioso.
Porque se há um pavio aceso na cidade, ele não foi acendido pelos indígenas.
Não foi aceso pelos pequenos agricultores.
Muito menos pelas instituições federais.
Esse pavio tem nome, endereço e sobrenome: politiqueiros.
Espécie abundante, perene, resistente a estiagem, que prolifera rápido e se alimenta de caos — de preferência, caos alheio.
Palmeira dos Índios se tornou, nos últimos meses, um barril de pólvora emocional. Não porque indígenas e produtores estejam à beira de uma guerra, como alguns andam espalhando de forma irresponsável, mas porque meia dúzia de espertos decidiu vender medo como se fosse verdade, e mentira como se fosse informação.
No meio disso, famílias inteiras — muitas vivendo em minifúndios de menos de uma tarefa de terra, onde cada centímetro tem suor misturado ao barro — passaram a viver com o coração descompassado. “Vou ficar?”, “Vou sair?”, “Pra onde eu vou?”, “Quem me ajuda?”, “Quem decide?”, “Quem está falando a verdade?”
Perguntas legítimas, humanas, dolorosas.
Perguntas que ninguém deveria ter que fazer quando se trata do lugar onde se dorme, se planta, se cria filho e se reza à noite.
Mas aí entraram em cena os especialistas em confusão. Os amantes do palco. Os vendedores de pânico. Os cavaleiros do caos.
E, como sempre, a política mostrou sua face mais primitiva.
Na Câmara Municipal, os vereadores chegaram ao ponto de achincalhar, em sessão aberta, um dos próprios líderes dos pequenos produtores — Lúcio Carlos Medeiros — numa cena tão pequena que caberia inteira dentro de uma caixa de fósforos.
Vergonha alheia pouca é bobagem.
A pergunta que fica é simples:
quem, em sã consciência, acredita que uma crise dessa magnitude se resolve na base do xilique legislativo?
Enquanto isso, nos bastidores, ex-deputados, ex-prefeitos, aspirantes à realeza política e donos de partidos seguem a todo vapor. São operações coordenadas. Disputas internas. Um fala mal do outro no rádio. O outro devolve na live. Um terceiro aparece na zona rural dizendo proteger “o povo”, quando, no fundo, protege a si mesmo.
Alguns até erguem a voz para parecer mais valentes, como se grito fosse argumento.
E o povo — sempre ele — vira massa de manobra.
A mais barata e a mais fácil de ser moldada.
Mas agora, com o STF entrando em cena, o jogo muda.
E muda porque o Supremo não governa pela histeria local.
O Supremo não se baseia no áudio de WhatsApp.
O Supremo não legisla ao sabor da audiência de um vereador.
O Supremo julga.
E ponto.
O julgamento que começa no dia 5 de dezembro vai tratar novamente da tese do marco temporal, aquela mesma que foi considerada inconstitucional em 2023. Aquela que o presidente Lula vetou. Aquela cujo veto o Congresso derrubou. Aquela que virou objeto de batalha jurídica protocolada por partidos como PL, PP e Republicanos.
Agora, a Corte deverá decidir de forma definitiva se o marco temporal tem validade constitucional ou não. E, ao decidir, traçará uma linha que irá muito além de mapas, coordenadas e hectares.
Traçará o limite entre a civilização institucional e o caos emocional que vem dominando o debate.
Seja qual for o resultado, ele trará segurança jurídica — e segurança jurídica é oxigênio quando a cidade está sufocada pelo pânico.
Para Palmares dos Índios, isso significa o fim da era do disse-me-disse.
Significa o fim da era do “ouvi falar”.
Significa o fim da era das bravatas de microfone.
E, principalmente, significa que aqueles que vivem nas áreas quilombolas, rurais ou limítrofes finalmente poderão entender o que vai acontecer com suas vidas.
Sem intermediários.
Sem cordeiros travestidos de protetores.
Sem políticos disputando quem protege mais, quando nenhum deles realmente protege ninguém.
Se há algo que precisa ser dito com todas as letras, é isto:
A disputa em Palmeira nunca foi entre indígenas e pequenos agricultores.
Essa é a mentira mais conveniente já vendida pela classe política local.
A disputa real é entre verdade e manipulação.
Entre direito e oportunismo.
Entre cidadania e covardia pública.
Indígenas não querem expulsar pequenos agricultores. Jamais disseram isso.
Pequenos agricultores não querem atacar indígenas. Jamais disseram isso.
O que ambos querem — e merecem — é uma decisão clara, honesta e definitiva sobre o território.
O que ninguém quer é virar combustível para ambições políticas que nada têm a ver com o bem-estar da população.
Que o Supremo julgue.
Que o Supremo decida.
Que o Supremo coloque um ponto final onde tantos colocaram uma vírgula interminável.
Quando o STF bater o martelo — seja para qual lado for — Palmeira dos Índios poderá, pela primeira vez em anos, descansar as espadas, abaixar as vozes, respirar fundo e voltar a falar sobre o que realmente importa: pessoas, famílias, direitos, futuro.
Porque cidade nenhuma aguenta viver eternamente sentada em cima de um pavio aceso.
E, se a paz vier do Supremo, que venha.
E que chegue rápido.
Antes que alguém, em nome da política, queira riscar o fósforo.
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