Vida e Saúde
Pesquisadores pedem ação urgente contra avanço de ultraprocessados em nova série na Lancet
Trabalhos conduzidos por 43 cientistas internacionais revelam os riscos à saúde dos produtos, as táticas da indústria e a necessidade de políticas públicas para conter o aumento do consumo
A prestigiosa revista científica The Lancet lançou, nesta terça-feira à noite, uma série especial dedicada ao impacto dos alimentos na saúde humana. A coletânea reúne três artigos elaborados por 43 pesquisadores de diferentes países e é coordenada pelo epidemiologista brasileiro e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Monteiro.
A conclusão dos novos estudos é que os ultraprocessados estão substituindo padrões alimentares tradicionais, piorando a qualidade da dieta globalmente e elevando o risco de múltiplas doenças crônicas, como obesidade, diabetes, câncer e até mesmo transtornos mentais. Além disso, que a adoção de políticas públicas que combatam o avanço dos produtos pelo mundo é algo urgente.
— Os estudos mostram que os ultraprocessados não só são um problema grave de saúde, aumentando o risco de muitas doenças crônicas, como o seu consumo está em alta no mundo inteiro. Eles confirmam a necessidade de intervenções para mudar esse cenário agora — afirma Monteiro, que fundou o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP (Nupens) e cunhou o termo “ultraprocessado” ainda em 2009.
Inquéritos nacionais analisados pelos pesquisadores indicaram que a proporção de ultraprocessados entre as calorias diárias quase triplicou na Espanha, saindo de 11% para 32%, e na China, de 4% para 10%, nas últimas três décadas. Além disso, cresceu de 10% para 23% no México e no Brasil nos últimos 40 anos. Em países como Estados Unidos e Reino Unido, já representam mais de 50% da dieta.
Paralelamente, as evidências mostraram que esses alimentos são pobres nutricionalmente, com excesso de açúcar e gordura e baixo teor de fibras e proteínas, além de acumularem diversas substâncias químicas nocivas, como aditivos e saborizantes, e terem uma alta densidade calórica, ou seja, mais calorias a cada grama, favorecendo o ganho de peso.
Um dos estudos da série foi uma revisão sistemática que analisou 104 trabalhos de longo prazo e identificou que 92 deles relataram risco aumentado de uma ou mais doenças crônicas, com associações significativas sendo encontradas para ao menos 12 condições de saúde, incluindo morte precoce por todas as causas.
— O que defendemos é que já temos literatura suficiente para a formulação de políticas públicas que enfrentem esse problema. Os ultraprocessados são a causa básica da epidemia de doenças crônicas que temos no mundo hoje. Obesidade, câncer, diabetes e inclusive doenças mentais. Diria que eles são o principal fator modificável que está ligado à alta carga global dessas doenças — diz Monteiro.
Para os responsáveis pela série, algumas medidas importantes são a inclusão de alertas de ultraprocessados nos rótulos frontais das embalagens e a restrição da publicidade dos produtos, especialmente aquela direcionada a crianças. Além disso, os cientistas apoiam aumentar os impostos que incidem sobre eles, e que o valor arrecadado seja utilizado para subsidiar alimentos in natura ou minimamente processados.
Outras recomendações abordadas nos artigos são proibir os produtos em instituições públicas, como escolas e hospitais, e limitar a exposição e o espaço nas prateleiras dos supermercados. Eles citam que um bom exemplo nesse sentido foi a ação do Brasil em exigir que, até 2026, 90% dos alimentos oferecidos em escolas sejam in natura ou minimamente processados.
Em nota, Phillip Baker, pesquisador da Universidade de Sydney, na Austrália, e um dos coordenadores da série, afirmou ser preciso “uma resposta global forte e articulada, semelhante aos esforços que enfrentaram a indústria do tabaco”.
Para ele, isso inclui “proteger o processo político do lobby corporativo e construir coalizões poderosas para defender sistemas alimentares saudáveis, justos e sustentáveis, capazes de enfrentar o poder das grandes corporações”.
Os autores decidiram constituir o embrião de uma aliança global, chamada "UPF Network Action", para disseminar essas evidências e continuar a monitorar os impactos dos ultraprocessados, além de pensar em estratégias de polícias públicas para combater o cenário atual.
Marion Nestle, pesquisadora da Universidade de Nova York, nos EUA, lembra que “melhorar as dietas globalmente exige políticas adaptadas à realidade de cada país e ao grau de penetração dos ultraprocessados nos hábitos alimentares”.
A série da Lancet destaca ainda que, com vendas anuais globais de US$ 1,9 trilhão, os ultraprocessados representam o setor mais lucrativo da indústria alimentícia hoje, por isso não é razoável esperar que as próprias empresas tomem proativamente medidas para reduzir o impacto de seus produtos.
Além disso, aponta que a indústria emprega táticas sofisticadas, fazendo lobbys com políticos e financiando pesquisas para questionar as evidências sobre ultraprocessados. Os autores defendem que são as grandes corporações, e não as escolhas individuais, que promovem a expansão dos ultraprocessados pelo mundo.
O que são ultraprocessados?
A classificação Nova, modelo criado pelo Nupens/USP, divide os alimentos em quatro grupos. Aqueles in natura ou minimamente processados são os obtidos diretamente da natureza ou que passam por processos simples sem adição de substâncias, mantendo suas características originais, como carne, grãos, leite, frutas e legumes.
O segundo grupo é formado pelos ingredientes culinários processados, que são extraídos de alimentos ou diretamente na natureza e usados em pequenas quantidades para preparar refeições, caso dos óleos, do sal e do açúcar, por exemplo.
Já os alimentos processados, que representam o terceiro grupo, são aqueles que passaram por modificações simples com os ingredientes culinários processados para aumentar sua durabilidade e variedade, como pães, queijos e conservas.
Por fim, o quarto grupo engloba os ultraprocessados, que são as formulações industriais feitas com diversos aditivos, como corantes, saborizantes e ingredientes modificados. Esses itens têm baixo valor nutricional, alto apelo comercial e se parecem pouco com o alimento in natura. Alguns exemplos são refrigerantes, salgadinhos, doces, sorvetes, barras de cereal, pães embalados, margarina, macarrão instantâneo, entre outros.
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