Variedades

Como lidar com o imprevisível da vida? Talvez Ivete Sangalo possa ensinar

Um monte de gente adoeceu no pós-carnaval, mas isso não tem nada a ver com apocalipse; cantora baiana dá aula de jogo de cintura e mostra ser mais poderosa do que a pneumonia que a acometeu

Agência O Globo - EXTRA 25/02/2024
Como lidar com o imprevisível da vida? Talvez Ivete Sangalo possa ensinar
ivete - Foto: Reprodução

Se para você o ano só teve início depois do carnaval, comemore, felizardo! O meu começou faz tempo. Em 1º de janeiro eu já estava trabalhando. Mas a sensação é que, com o fim daquele êxtase da folia de Momo, todo o espaço ocupado por blocos, trios elétricos e alegorias intercaladas a baterias dão lugar a pneumonias, viroses, surtos de dengue... Muita gente baqueada, e não é o apocalipse previsto por Baby do Brasil em plena Salvador lotada de foliões vendo Ivete Sangalo macetar. É a vida, sempre ela, que toda hora, não importa se é dia útil ou feriado, vem nos lembrar de sua imprevisibilidade. Quem dera todos tivéssemos o jogo de cintura de Veveta para se safar de uma saia justa sem se deixar abalar e protagonizar um momento apoteótico cantando “We are carnaval’’ nos braços do povo, a imagem que ficou para mim, muito mais poderosa do que o problema de saúde que a levou a ser internada depois.

Mas e para nós, mortais, que não somos estrelas, não somos divas, não temos equipe de apoio e assessoria para gerenciar crises? Como equacionar com maestria, nos 366 dias do ano bissexto, o equilíbrio entre planejamento e capacidade de improvisação? Me parece que, apesar dos acontecimentos mostrarem que o amanhã é sempre incerto, somos uma legião cada vez maior de pessoas iludidas acreditando que podemos controlar (quase) tudo. E, como inúmeras vezes isso não acontece, vêm a frustração, as crises de ansiedade e até a depressão.

Uma amiga planejou férias no Rio com praia e passeios, mas seu bebê ficou febril e ela passou muito mais tempo no apartamento alugado do que na rua. O pai organizou viagem com o filho, mas surpreendentemente não conseguiu encontrá-lo nem para jogar futebol no play do prédio. A repórter vislumbrou samba com cerveja na folga, mas ficou de cama tomando remédio. Eu acordei cedo pra fazer pilates e tocar todos os compromissos, mas, ao chegar na minha casa, Nice compartilhou comigo que, em seu domingo de descanso, estava acordando devagar e sem pressa, já pensando no churrasquinho em família mais tarde, quando ouviu um barulho estranho e, de repente, parte do teto de sua casa desabou. Um estrondo, um baita susto, perda total do fogão. E, por outro lado, um certo alívio por ver que poderia ter acontecido uma tragédia maior, e ela não estaria me contando nada disso. Agora sobraram seus pertences encaixotados e um desânimo por esperar o cara da obra, que apareceu num único dia e depois sumiu sem dar satisfação alguma. A chateação estava ali estampada em seu rosto, um cansaço de trabalhar na casa dos outros, deixar tudo arrumadinho, e depois chegar no seu próprio lar e se deparar com aquela bagunça imposta. O mínimo do mínimo que eu poderia fazer era ouvi-la. E me atrasei para tudo o que eu tinha pleiteado realizar.

Recentemente, vi a atriz Regina Casé falando sobre sua chegada aos 70 anos, sobre o que era diferente nessa fase, comparando com sua juventude. Entre outras coisas, ela pontuou que já tinha enfrentado tantas barras, tantas coisas difíceis, que nada a preocupava muito, que ela encarava a vida com mais leveza. E enfatizou aquele grande e verdadeiro clichê do viver o agora.

Mas não adianta. Só aos 40 e poucos que a gente vê que sofreu por besteiras quando tinha 20. Talvez só aos 60 a gente consiga rir do que ainda nos faz chorar aos 40... Mesmo que o trio tombe, mesmo que o carro alegórico emperre, o show continua. Será que isso que preocupa e está tirando seu sono hoje vai se concretizar amanhã? É tudo incerto, gente, pode ser tudo mera suposição. Certeza só temos de que não podemos deixar água parada para evitar proliferação de mosquitos. E tenho uma mera desconfiança de que, por mais que a gente saiba de todas essas coisas que eu estou papagaiando, vai continuar adoecendo por dificuldade de botar os pés no chão e simplesmente viver o que está ao nosso alcance, mesmo que isso não seja o que fantasiamos pra nós mesmos.

Gabriela Germano é editora-assistente e atua na área de cultura e entretenimento desde 2002. É pós-graduada em Jornalismo Cultural pela Uerj e graduada pela Unesp. Sugestões de temas e opiniões são bem-vindas. Instagram: @gabigermano E-mail: [email protected]