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TCE derruba liminar que impedia acordo entre Cedae e Águas do Rio que pode custar R$ 900 milhões ao Estado

Por quatro votos a três, plenário da corte entendeu não haver motivos, por ora, para uma intervenção nas tratativas sob responsabilidade da Agenersa

Agência O Globo - 26/11/2025
TCE derruba liminar que impedia acordo entre Cedae e Águas do Rio que pode custar R$ 900 milhões ao Estado
- Foto: Reprodução

O plenário do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) derrubou uma liminar que suspendia um acordo entre a e a empresa Águas do Rio que prevê um ressarcimento por erros no edital de licitação. O valor pode chegar a R$900 milhões ao longo dos anos por descontos na venda de água à concessionária. Por quatro votos a três, os conselheiros suspenderam os efeitos da decisão de José Gomes Graciosa que impedia a assinatura até uma análise do corpo técnico da corte.

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Nesta quarta-feira, os conselheiros substitutos Marcelo Verdini e Andreia Siqueira e o presidente Márcio Pacheco acompanharam o voto de Thiago Pampolha, que defendeu a revogação da liminar. Na avaliação de Pampolha, as tratativas foram feitas com supervisão da Agenersa, agência reguladora do setor, e não cabe, até o momento, uma intervenção mais dura do TCE. Ele também alertou que um possível desequilíbrio econômico financeiro poderia onerar os consumidores:

"Não se verifica ilegalidade regulatória formal, que justifique a realização de um controle mais intenso e amplo por parte desta Corte (...) Não me parece adequado transferir o ônus de suportar o desequilíbrio contratual à parte mais vulnerável da relação concessória, qual seja: o usuário, isto é, o interesse público primário", escreveu.

O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) determinou a que prevê o pagamento de uma compensação de pelo menos R$ 900 milhões para a empresa Águas do Rio por erros no edital de licitação — pelos quais nenhuma autoridade assumiu a responsabilidade até agora. Ficou acertado com o governo do estado, no último dia 3, que a quantia seria paga pela Cedae, por meio de descontos no valor da água vendida para a concessionária. Agora, essa conta poderá acabar na fatura dos consumidores.

No mês passado, Graciosa aceitou um pedido dos deputados estaduais Luiz Paulo (PSD) e Jari Oliveira (PSB) e suspendeu liminarmente o acordo. O conselheiro destacou que, embora a Águas do Rio alegue ter encontrado uma cobertura de tratamento de esgoto inferior à prevista no edital de licitação, eventuais questionamentos sobre as condições contratuais deveriam ter sido feitos ainda durante o processo de concorrência.

Graciosa também cobrou respostas ao governador Cláudio Castro, o presidente da Cedae, Aguinaldo Ballon, a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio (Agenersa) e os dirigentes da Águas do Rio prestem esclarecimentos detalhados sobre o acordo. Um ofício será enviado para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável por elaborar o edital de licitação. O tribunal pediu ainda ao Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) para apurar possível coação de diretores da Cedae e conflito de interesses, já que parte da equipe da Águas do Rio seria formada por ex-dirigentes da estatal.

A Cedae informou que "aguarda deliberação e validação do acordo para adotar as medidas definidas." Já a Águas do Rio também diz esperar a homologação dos termos pela Agenersa para divulgar as novas tarifas.

Entenda o caso

A origem do desentendimento é de cinco anos atrás, quando foi lançado o edital de concessão da Cedae. A Águas do Rio argumenta que, das 27 cidades em que atua, 21 delas apresentaram discrepância entre os índices de cobertura de esgoto fornecidos no edital e o apurado pela empresa depois do leilão já ter sido realizado em maio de 2021. O contrato assinado prevê que o poder concedente deverá ser responsabilizado caso essa diferença seja maior que 18,5%, o que a concessionária alega ter observado. Para vencer o leilão de dois dos quatro blocos da Cedae, a empresa ofereceu uma outorga de R$ 15,4 bilhões ao estado e às prefeituras.

Fonte foi o Snis

A Águas do Rio diz, por exemplo, que, em Magé, esperava-se que a cidade tivesse 40% de cobertura de rede de esgoto, mas técnicos verificaram que o município sequer tinha coleta, situação semelhante à encontrada em Nilópolis. Também foram apontadas diferenças em Belford Roxo (de 39% para 8%) e em Duque de Caxias (de 43% para 10%).

O edital de concessão — no qual constavam esses percentuais de cobertura — foi feito pelo BNDES, que alega ter se baseado em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), do Ministério das Cidades, “analisados em conjunto com dados fornecidos pela própria Cedae”. O Ministério das Cidades, por sua vez, explica que os dados no Snis “são de inteira responsabilidade do titular e ou prestador de serviços” de saneamento. Mas, para dar mais confiabilidade a essas informações, a partir deste ano “agências reguladoras passam a validar, em tempo real, os dados fornecidos pelos seus regulados”, informou a pasta.

Em um documento de 29 de setembro, a Cedae atribui essas diferenças à “natureza autodeclaratória” do Snis, no qual podem ter ocorrido “inconsistências ou lacunas” nas informações preenchidas pela estatal e pelas prefeituras.

Já a Águas do Rio alega que as visitas técnicas que realizou antes do leilão não permitiram “avaliar as redes enterradas, o que exigiria abrir centenas de milhares de bueiros em um trabalho minucioso, rua a rua, cidade a cidade, em uma área que abrange dez milhões de pessoas”. As divergências alegadas agora foram constatadas pela concessionária em diagnóstico feito após assumir o serviço. O contrato de concessão previa um prazo de 24 meses para o levantamento detalhado da cobertura de água e esgoto.

As cidades citadas como exemplo pela Águas do Rio também não assumem o erro. A prefeitura de Belford Roxo afirma que as informações sobre a rede de esgoto foram fornecidas ao Snis “pela gestão anterior”. Caxias, por outro lado, diz que o “município não tinha e não tem controle sobre a rede de água e esgoto”, atribuindo a responsabilidade à Cedae. Nilópolis pondera que há rede de esgoto no município, mas que “a coleta e o tratamento não são realizados no local”. Magé não respondeu ao GLOBO.

O acordo assinado não prevê o valor de R$ 900 milhões, mas um desconto de 24,3% no valor da água vendida pela Cedae para a concessionária até 2056. O governo do estado ressalta que essa compensação impedirá o aumento das contas cobradas dos consumidores — o que estava previsto para acontecer em dezembro.

País todo usa esses dados

A advogada Ana Tereza Parente, professora e consultora em Direito do Saneamento, esclarece que o Snis congrega a maior parte dos municípios do Brasil e que, por serem dados de referência, mesmo que autodeclaratórios, são utilizados em modelagens econômico-financeiras por todo o país, como ocorreu no Rio. Historicamente, explica ela, os titulares da responsabilidade sobre o saneamento costumam ser os municípios, que forneceram dados à Cedae.

— Os dados podem ter uma variação e não corresponder 100% ao que existe na prática, com relação à cobertura. Por isso, tem uma cláusula no contrato que fala da margem de diferença: até aquela margem, não caberia reequilíbrio. Só que a variação no caso da Águas do Rio foi muito grande — explica Ana Tereza. — Todo mundo tem parcela de responsabilidade: a Cedae, por ser a operadora histórica, era quem declarava as informações ao Snis nos últimos anos, e os municípios, à medida que são titulares da prestação do serviço e que, por muito anos, foram os que fizeram o investimento em esgotamento sanitário, que não declaravam de forma muito correta.