RJ em Foco
Falta de ventilação adequada, telefones de emergência e pistas de recuo são frequentes em túneis do Rio
Nos últimos 20 anos, apenas 15 dos 28 túneis da cidade tiveram Anotações de Responsabilidade Técnica expedidas
Logo após o incêndio em um ônibus no Rebouças que deu nó no trânsito da cidade na semana passada, uma equipe do GLOBO começou a percorrer túneis do Rio acompanhada de engenheiros do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ), que fizeram uma inspeção visual das estruturas construídas para facilitar a mobilidade. O diagnóstico é que essas galerias — algumas com mais de cem anos — precisam passar por obras de modernização e ter manutenção periódica.
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Na Zona Sul, os engenheiros Miguel Fernández e Ana Carolina Tavares estiveram no Rebouças, Santa Bárbara, Zuzu Angel e Rafael Mascarenhas (Acústico), os mais movimentados da cidade, por onde circulam 458 mil veículos por dia útil. Também visitaram o Noel Rosa (Vila Isabel), o João Ricardo (Gamboa), o da Rua Alice (entre Rio Comprido e Laranjeiras) e o da Covanca (Linha Amarela).
A inspeção visual confirmou que os oito túneis visitados descumprem parâmetros mínimos de segurança exigidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Eles citam, por exemplo, a falta de recuos para veículos enguiçados ou acidentados, telefones de emergência, rede pressurizada de hidrantes, mangueiras adequadas, portas corta-fogo, sinalização de rotas de fuga e sistemas eficientes de ventilação e alarme.
Um levantamento do setor de fiscalização do Crea-RJ mostra que, nos últimos 20 anos (entre 2006 e 2025), apenas 15 dos 28 túneis da cidade tiveram Anotações de Responsabilidade Técnica (ARTs) expedidas. Esse documento é o registro do responsável técnico por obras. No período, foram emitidas 99 ARTs no total, sendo 35 para o Rebouças e dez para o Santa Bárbara. Entre os 13 túneis que nunca tiveram um registro, estão o da Rua Alice, o Alaor Prata (entre Botafogo e Copacabana), o Engenheiro Marques Porto (Novo, em Copacabana) e o José Alencar (Grota Funda).
— Os túneis são a veia arterial da cidade. Sem manutenção contínua, o colapso é certo — afirma o presidente do Crea-RJ, Miguel Fernández.
Manutenção é prioridade
O engenheiro destaca, porém, que a ausência da ART não significa risco iminente, mas indica necessidade de atenção maior. Fernández lembra que muitas estruturas, como o Túnel da Rua Alice, de 1886, foram construídas antes da legislação atual:
— Em obras muito antigas, a modernização pode ser inviável. O risco é inerente ao período em que foram feitas. Por isso, fazer uma manutenção contínua torna-se necessário.
A prefeitura, por sua vez, afirma que os registros são feitos por contrato e não por túnel, o que explicaria a diferença entre sua contagem e a do Crea. O órgão federal de fiscalização, no entanto, sustenta que a ART deve ser emitida por obra específica, não por área administrativa.
O pior cenário é o do João Ricardo, na Gamboa, de 1919, escavado diretamente na rocha e sem revestimento. Há infiltrações ao longo de toda a galeria, risco de erosão e fiação exposta mesmo após troca de lâmpadas. O túnel também não tem ventilação e registrou um incêndio há quatro meses.
No Santa Bárbara, foram encontrados danos causados pela queda de trecho do muro de contenção e ventiladores fora do padrão. Nos túneis Noel Rosa, Zuzu Angel e Rafael Mascarenhas, não há qualquer sistema de ventilação.
O Rebouças, apesar do incêndio recente que travou a cidade, está em boas condições. Segundo a engenheira civil Ana Carolina Tavares, há placas de concreto novas e sem infiltrações. Ela pondera, porém, que é necessária a ampliação da ventilação na galeria no sentido do Centro.
A situação mais promissora é a do Túnel da Covanca, na Linha Amarela. A concessionária Lamsa concluiu, no fim de 2024, a instalação de extintores, sirenes, painéis de mensagem e megafonia, e planeja colocar hidrantes em 2026.
Para ir além do básico, o professor Alexandre Landsman, da Coppe/UFRJ, especialista em incêndios e infraestrutura, defende o uso de tecnologia, como sensores inteligentes e ventilação automatizada — o que é padrão em túneis no exterior:
— Detectores de fumaça e infiltração em tempo real podem evitar que pequenos problemas virem grandes emergências.
Ele também cita o uso de “gêmeos digitais”, softwares que produzem versões virtuais dos túneis que simulam incêndios e infiltrações e ajudam a planejar intervenções.
— Modernizar não é uma dificuldade técnica. É decisão e continuidade — afirma.
A prefeitura reconhece a situação crítica do João Ricardo, embora informe que ele parecia estar em bom estado antes das licitações feitas para reformar essas estruturas na cidade. O município promete abrir um edital emergencial para corrigir os problemas. Em 2022, foram investidos R$ 140 milhões na readequação de túneis, e mais R$ 15 milhões estão previstos para 2026. Diz ainda que galerias são monitoradas por mais de 120 câmeras, algumas com inteligência artificial para detecção de fumaça e veículos parados.
Reprovação dos bombeiros
No próximo dia 19, a prefeitura vai participar de reunião com o Corpo de Bombeiros, que vistoriou 25 túneis e verificou que apenas dois — Via Binário e Marcello Alencar — estão em situação regular. A fiscalização, porém, também ainda preocupa. O vereador Pedro Duarte (Novo), em parceria com o Crea-RJ, propôs um projeto de lei que obriga a elaboração de laudos independentes a cada cinco anos.
O engenheiro Francisco Filardi, que participou da construção de túneis na cidade, lembra que a falta de ventilação mecânica no Zuzu Angel, por exemplo, é um problema conhecido há mais de meio século:
— Muitas dessas limitações vêm de decisões políticas antigas, e convivemos com elas até hoje.
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