RJ em Foco

'Desculpa não traz o pai dos meus filhos de volta': viúva contesta versão da PM sobre morte de motorista na Pavuna

Esposa e amigos disseram que Andrew Andrade do Amor Divino estava com o som alto e não ouviu o comando da polícia; ele foi morto com um tiro de fuzil na cabeça

Agência O Globo - 09/11/2025
'Desculpa não traz o pai dos meus filhos de volta': viúva contesta versão da PM sobre morte de motorista na Pavuna
- Foto: Reprodução / Agência Brasil

"Meu marido não era bandido. Era trabalhador. Só queria voltar pra casa". O desabafo é de Dayene Nicacio Carvalho, de 25 anos, viúva de Andrew Andrade do Amor Divino, de 29, na Avenida Pimentel, nos acessos ao Complexo do Chapadão, na , na madrugada de sábado (8). O enterro será neste domingo (10), às 13h, no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na Zona Norte do Rio.

Mais de mil comunidades sob domínio da facção:

Megaoperação no Rio:

Segundo a , agentes faziam patrulhamento na região quando ocupantes de três motocicletas atiraram contra os policiais. Logo depois, o condutor de um carro não teria parado ao receber ordem para encostar. O veículo avançou, e um dos agentes atirou. Andrew foi levado ao Hospital Getúlio Vargas, mas não resistiu.

Dayane contesta a versão. Diz que o marido voltava de uma comemoração, no carro de um vizinho, com o som alto e os vidros fechados, que havia um ônibus na sua frente e ele não ouviu o comando. A última troca de mensagens entre os dois foi pouco antes da meia-noite.

— Às 11h59 perguntei se ele já estava vindo, e ele respondeu que já estava chegando. Meia hora depois, aconteceu tudo. Toda vez que via uma viatura, ele parava. Era habilitado, o carro estava em dia. Não tinha por que fugir.

Quando soube do ocorrido, ela foi até a Delegacia da Pavuna, mas não havia registro do caso. De lá, seguiu para o Hospital Getúlio Vargas, onde recebeu a confirmação de que o marido havia sido baleado.

— Pedi pra não mentirem pra mim. Perguntei se ele estava bem, e o policial disse que o estado era grave. Quando puxaram o nome dele, viram que não tinha nada. O policial virou pra mim e falou: “Me desculpa”. Mas desculpa não traz o pai dos meus filhos de volta.

Segundo relatos da esposa e de amigos e familiares, Andrew era mototaxista e entregador, e recentemente consertava celulares em casa, na comunidade. O casal estava junto havia oito anos. Dayene conta que eles tinham acabado de comprar uma casa com o dinheiro de um empréstimo feito no banco.

— A gente tinha acabado de começar a pagar a nossa casinha. Simples, mas nossa. E agora eu não sei como vai ser. No começo, a gente não tinha nada. Uma cadeira de carro no lugar do sofá, uma TV velha e uma cama de solteiro. Mas ele nunca deixou faltar comida. Saía de casa com chuva, com frio, para trabalhar. Ele montava a bancada com as ferramentas para consertar celular na mesa, porque a gente não tinha dinheiro pra abrir uma lojinha. Era nossa renda. Tenho como provar que meu marido era trabalhador — diz Dayene.

Nas redes sociais, amigos e vizinhos defenderam Andrew, dizendo que ele era “honesto, tranquilo e querido”. Um grupo com quem ele treinava muay thai em um projeto social publicou vídeo em sua homenagem, pedindo justiça.

Dayene agora cuida sozinha dos dois filhos, um menino de seis anos e um bebê de 28 dias. O filho mais velho pediu para acompanhar o enterro.

— Minha sogra está sob efeito de calmante. Eu não posso desmoronar, porque amamento e tenho que ser forte. Eles tiraram o pai dos meus filhos. Acabaram com a minha família. Meu filho mais velho chega pra mim e fala que o coraçãozinho está doendo, que sente falta do pai. Eu disse que foi um acidente de carro, que o papai passou mal, pra não deixá-lo revoltado. Mas ele é esperto e disse: “mãe, a polícia matou o meu pai”. Ali eu desabei. Eu não queria levá-lo no enterro mas ele pediu e disse: “não me tira esse direito, eu quero enterrar o corpo do meu pai”. Ele só queria brincar com o pai, jogar bola, videogame. O último passeio deles foi domingo passado, no parque de diversões — relembra.

Em nova nota enviada neste domingo, a Secretaria de Estado de Polícia Militar reafirmou que ocupantes de três motos atiraram contra os agentes e que o motorista de um carro avançou sem obedecer à ordem de parada, sendo atingido por um disparo. A corporação informou que instaurou procedimento interno para apurar as circunstâncias do fato, investigado pela 31ª DP (Ricardo de Albuquerque).

A Polícia Civil ainda não retornou sobre o andamento das investigações.