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A busca por corpos na mata da vacaria: O GLOBO esteve onde aconteceu maior parte das mortes em megaoperação no Rio; saiba mais

A área é uma extensa pedreira, íngreme e, em algumas partes, escorregadia; mais 50 pessoas se reuniram no local

Agência O Globo - 30/10/2025
A busca por corpos na mata da vacaria: O GLOBO esteve onde aconteceu maior parte das mortes em megaoperação no Rio; saiba mais

As vozes infantis se misturam ao som de galhos sendo quebrados. Aos poucos, as silhuetas de quatro meninos aparecem, saindo da mata que circunda a pedreira na Vacaria, localidade da Serra da Misericórdia, no Complexo da Penha. Eles aparentam ter entre 8 e 12 anos, estão sem camisa, usando apenas short preto e chinelos. Um deles segura algo semelhante a um bastão e, frustrado, bate com ele no solo, proferindo, simultaneamente, alguns palavrões. Um colega tenta animá-lo, afirmando que as buscas vão continuar.

Com corpos retirados de mata e levados para praça na Penha:

Rio e União:

A presença dos meninos na região, na manhã de ontem, onde dezenas de corpos da operação de terça-feira foram encontrados, é quase despercebida frente aos moradores que procuravam por parentes mortos nas trilhas. Pequenos, eles andam sorrateiramente, fazendo pouco barulho e atentos a vestígios. Apenas uma moça jovem nota a presença deles.

— Olha lá, gente! Tem criança procurando corpo! Como pode? São crianças, tudo pequeno — fala em voz alta. Na oportunidade, pede para que eles saiam da mata, pois poderia ser perigoso. Eles dão de ombros.

A mata da Vacaria, como o local é conhecido, é, na verdade, uma extensa pedreira, íngreme e, em algumas partes, escorregadia. A área foi estratégica para as polícias durante a operação, já que foi onde agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) encurralaram os criminosos, como explicou o secretário de Polícia Militar Marcelo Menezes em coletiva.

O trajeto até essa mata, considerando a Praça São Lucas, referência central na Penha, é de cerca de 30 minutos de subida. O comércio até o local estava em maioria fechado, com pouca circulação de moradores até o início da tarde. No entanto, na tentativa de romper o silêncio, um grupo deles decidiu fazer uma passeata em direção à Vacaria.

‘Vida errada’

Ao menos 50 pessoas se reuniram, somando-se, posteriormente, a outras já presentes no terreno — empoeirado pela falta de chuva e pelo chão pedregoso.

À primeira vista, a região da Vacaria é formada por campos abertos, intercalados por subidas e descidas em curva, semelhante a uma espiral. Por lá, ainda havia cápsulas de fuzis espalhados pelo chão, marcas de tiros em pedras e árvores, assim como pedaços de roupas, manchas de sangue na terra, potes com restos de comida, garrafas de água e latas de cerveja. Moradores e traficantes se dividiram pelas trilhas em busca de óbitos e possíveis feridos. A estimativa, segundo lideranças da Penha, é de que, além dos 117 suspeitos mortos confirmados pela polícia, há ainda cerca de 30 corpos desaparecidos.

— Eles não mataram? Por que não podem trazer os corpos? Já não chega o luto da família em saber que tá morto, a gente ainda precisa juntar forças para achar os corpos. É uma dor imensa! A gente sabe que o pessoal estava na vida errada, mas a gente é família, não pode ser responsabilizada, penalizada ainda mais. Só queremos enterrar nossos parentes — exclamou uma mãe.

Traficantes ‘forasteiros’

Num dos trechos mais elevados, moradores correram em direção a uma pessoa que informou ter visto um corpo. Nesse momento, apareceram mototaxistas e um carro transportando traficantes que estavam na mata procurando por amigos e armamentos. Eles taparam os rostos ao ver que havia desconhecidos no local. Em outro momento, um rapaz de roupa preta saiu da mata com pressa e, ofegante, declarou ter ouvido um ferido:

— A gente ouviu um irmão na mata. Gritamos fé, ele disse fé também. Até jogou para a gente um casaco ensanguentado, fizemos de tudo, mas não chegamos até ele, demos até volta aqui, mas ele parece estar muito acima, num lugar que a gente não vê bem. Ele estava com a voz cansada — destacou. “Fé”, pelo que explicaram moradores, é um código para os rapazes se reconhecerem.

Os corpos localizados na Vacaria eram, em grande parte, de traficantes de outros estados. Um pastor, em anonimato, explicou que muitos recém-chegados ajudam nos “plantões” por lá, mas, devido à inexperiência, não “sustentam” confrontos com a polícia.

— A gente fica triste com essa situação. A minha igreja fica aqui, vários moradores frequentam ela e posso te garantir que ninguém nunca viu nada parecido. Eu estou aqui em respeito às famílias. Ninguém bota filho no mundo para ser bandido. E ainda tem o pessoal de fora, que não conhece nada e é alvo fácil.

Os corpos começaram a ser retirados por moradores ainda durante a madrugada desta quarta. Ao menos 60 foram expostos na Praça São Lucas, de onde foram removidos e levados para o IML do Centro.