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Venda do Maracanã é vista 'com bons olhos' pelo Flamengo, diz relator do projeto na Alerj

Deputados estaduais aprovaram a inserção do cartão-postal na lista de imóveis que a Casa autorizaria o governo do Rio a passar adiante

Agência O Globo - 24/10/2025
Venda do Maracanã é vista 'com bons olhos' pelo Flamengo, diz relator do projeto na Alerj

Palco de duas finais de Copa do Mundo, gols de placa, jogadas inesquecíveis e muitas outras cenas marcantes, o Estádio Jornalista Mario Filho, o , . Pelo menos esse é o desejo de deputados estaduais que aprovaram a inserção do cartão-postal, antigo “maior do mundo”, junto com todo o complexo esportivo de que faz parte, na lista de imóveis que a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) autorizaria o governo do Rio a passar adiante. Estudos recentes mostram que o local vale ao menos R$ 2 bilhões — e, segundo o relator do projeto, Alexandre Knoploch (PL), o “vê com bons olhos” a operação.

R$ 2 bi:

Dividas:

A importância do “Maraca”, para os íntimos, ultrapassa as quatro linhas. Um dos símbolos do Brasil, é a quinta atração turística mais buscada por estrangeiros que visitam o país. Inaugurado para a Copa de 1950, foi de suas arquibancadas que a multidão presenciou o milésimo gol de Pelé. Dali, o público aplaudiu ainda as glórias de ídolos da bola como Zico, Roberto, Garrincha e Rivellino — sem contar os shows antológicos já realizados por lá.

Rio Previdência:

— Tem imóveis que reconhecemos que não faz sentido o estado manter, mas é um absurdo a inclusão do Maracanã. É um patrimônio cultural que não pode ser vendido sem o mínimo de discussão pública sobre como seria o uso, e quais as condições para que ele se mantenha um patrimônio de uso público — diz o deputado Flávio Serafini (PSOL), que articula a saída do estádio da lista.

Busca por fôlego fiscal

Em crise fiscal, com previsão de déficit de quase R$ 19 bilhões, o governador Cláudio Castro (PL) enviou em agosto um pacote de projetos voltados à finanças públicas do estado. Entre eles, o pedido de autorização para vender 47 imóveis, o que poderia render R$ 1,5 bilhão aos cofres do Executivo fluminense. Ao chegar na Alerj, houve pressão de deputados para enxugar a lista, que incluía locais ocupados por projetos sociais. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) decidiu então criar um grupo de trabalho para visitar os imóveis e avaliar a retirada — ou novas inclusões.

Anteontem, Alexandre Knoploch, apresentou seu parecer aceitando mudanças propostas pela oposição, que pediu a retirada de 16 imóveis, como a Escola de Música Villa-Lobos, a Casa Almerinda Gama, o Grupo Arco-Íris e a Casa Nem. No entanto, para a surpresa de muitos, o parlamentar incluiu o Complexo do Maracanã na lista que, no final das contas, saltou para 62 imóveis.

Lideranças de Barra e Recreio

Por contrato, Flamengo e Fluminense têm a concessão do estádio e do ginásio do Maracanãzinho até 2044. Já o Parque Aquático Julio Delamare e o antigo Estádio de Atletismo Célio de Barros, também integrantes do complexo esportivo, continuam sob administração estadual. O primeiro, que recebeu reformas nas piscinas ao custo de R$ 1,5 milhão, é usado para competições e aulas gratuitas. Já o antigo palco do atletismo tem passado por obras para ser transformado num estacionamento. A intervenção é alvo de investigação do Ministério Público Federal porque o complexo é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O projeto de venda dos imóveis ainda deve passar por alterações antes de ir à votação final. Nas próximas semanas, o texto será incluído na pauta da Alerj e possivelmente receberá uma enxurrada de emendas. Definida a lista a ser votada no plenário e, em seguida, aprovada e sancionada, cada imóvel só pode ser vendido com autorização expressa do governador.

A inclusão do Complexo do Maracanã na lista pode ter mais a ver com bastidores da disputa eleitoral do que com as contas do Estado. Há uma semana, o presidente do Flamengo, Luiz Eduardo Baptista, teve uma reunião com o presidente da Alerj Rodrigo Bacellar (União) e deputados da CCJ, quando o tema foi discutido.

— Isso foi comentando e o Flamengo me pareceu ver com bons olhos. Vemos que é o único clube com capital financeiro e de público (torcida) para manter o Maracanã de pé. Pode-se ainda colocar uma condicionante na venda, de que os outros clubes possam usar, sob pagamento da locação. Nenhum outro clube conseguiria fazer a gestão do estádio — diz Knoploch.

O relator é próximo a Bacellar, a quem credita o movimento de inserir o estádio na lista. O presidente da Alerj é pré-candidato ao governo do Rio em 2026 e pode enfrentar o prefeito Eduardo Paes (PSD) nas urnas. Foi o chefe do Executivo municipal que articulou a negociação do terreno do Gasômetro para a possível construção de um estádio do clube da Gávea. No entanto, o projeto para a arena desacelerou: o Flamengo assinou um acordo com a prefeitura que derruba a obrigação de concluir a obra nos próximos quatro anos. Paes chegou a dizer, numa postagem em rede social, que a construção só depende do clube.

Legalidade questionada

O consórcio formado por Flamengo e Fluminense afirma que irá cumprir o contrato de 20 anos de concessão do complexo. Procurado, o governo do Rio não comentou sobre a nova lista apresentada na Alerj. Desde julho, Cláudio Castro e Rodrigo Bacellar estão rompidos. O governo tem exaltado desde o ano passado os termos da concessão do estádio.

Especialista em Direito Público e Administrativo, Hermano Cabernite diz que a venda do Maracanã, hoje, não é um ato legal.

— É um bem público estadual, objeto de concessão de uso a particulares. É destinado à prestação de serviço público (uso esportivo e recreativo). Enquanto conservar essa condição, o Maracanã não pode ser alienado. Para possibilitar a venda, seria necessário mudar a natureza de seu uso. Isso exige uma lei formal específica aprovada pela Alerj — explica ele.

Quem ficou (ou entrou) na lista

Na Rua da Carioca, que está se transformando em polo cervejeiro, há quatro imóveis. Três são famosos: o Cine Íris, o ponto do histórico Bar Luiz e loja de guarda-chuvas Vesúvio.

A Ilha de Pombeba, atrás do Parque dos Atletas, na Barra da Tijuca, já foi cogitada para receber o Museu Olímpico.

O atual terreno do 6º BPM (Tijuca), na Rua Barão de Mesquita.

A Aldeia Maracanã, na Avenida Rei Pelé, foi incluída a pedido do presidente da CCJ, Rodrigo Amorim (União).

Amorim também sugeriu a venda de 28 imóveis da Universidade do Estado do Rio (Uerj) — entre os bens há apartamentos na Avenida Atlântica, em Copacabana, e na Rua Senador Vergueiro, no Flamengo.

Patrimônio mantido (até agora)

O terreno do 23º BPM (Leblon), que, por determinação do Plano Diretor, só pode ser usado para serviços públicos. A RioTrilhos e a Secretaria municipal de Conservação pediram a cessão de parte do terreno recentemente.

O complexo esportivo Caio Martins, em Niterói.

A sede do grupo Tortura Nunca Mais, em Botafogo, Zona Sul do Rio. Nos nos bastidores, porém, já há o entendimento de que deputados vão pedir a inclusão do local novamente.

A Escolinha de Artes do Brasil, em Botafogo, fundada em 1948 pelo artista plástico Augusto Rodrigues.

A sede da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio (Faferj), na Praça da República, Centro do Rio.