Política
Câmara retoma debate sobre Lei Antiterrorismo e tenta ajustar foco para facções e milícias, sem repetir impasses da era Bolsonaro
Projeto ganhou força nos bastidores após a megaoperação no Rio
Na esteira da megaoperação que mirou em integrantes do Comando Vermelho no Rio, ganhou força na Câmara um projeto que equipara a atuação de facções criminosas e de milícias ao terrorismo. A proposta, que ganhou regime de urgência em maio — o que permite votação diretamente no plenário da Casa —, amplia os critérios adotados na legislação atual para enquadrar um ato como de terror.
Com a segurança pública no foco do debate público, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), já indicou a aliados que pretende levar o texto a voto na segunda semana de novembro. O atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP-SP), deverá reassumir o mandato na semana que vem para relatar a proposta.
Como é hoje:
A atual Lei Antiterrorismo, de 2016, para que uma conduta criminosa possa ser considerada como terrorista é preciso haver uma razão que envolva xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.
O que diz o projeto:
A proposta inclui no rol de motivações "impor domínio ou controle de área territorial", em referência direta às facções que dominam comunidades e impõem regras próprias.
Além disso, o texto passa a considerar como ato terrorista "apoderar-se, sabotar, inutilizarm impedir ou interromper o funcionamento" de serviços de utilidade pública, como telefonia e transporte público. A ideia é coibir práticas como cobrança de taxas abusivas de moradores para que tenham acesso a internet ou mesmo para comprar botijão de gás.
O projeto ainda inclui na legislação um parágrafo que prevê a aplicação das regras "às organizações criminosas e às milícias privadas que realizem um ou mais atos de terrorismo com o objetivo de retaliar políticas públicas, ou como forma de demonstrar domínio, controle social ou poder paralelo ao Estado em qualquer espaço territorial".
O que muda na prática:
Classificar uma ação ou grupo como terrorista eleva o grau de punição e amplia as ferramentas de investigação. O enquadramento previstos para atos desse tipo vão de 12 a 30 anos, além de transferir a apuração para a esfera federal, sob responsabilidade da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.
Ao enquadrar as facções criminosas como terroristas, a lei também ampliaria as possibilidades de cooperação internacional e bloqueio de bens com base em tratados multilaterais.
Embora o texto não altere esses mecanismos, a mudança de tipificação tem també peso simbólico: o grupo passa a ser tratado como ameaça à segurança nacional, o que afeta desde a forma de investigação até o discurso público sobre sua atuação.
Tentativa de mudar lei no governo Bolsonaro
A ampliação da Lei Antiterrorismo chegou a ser discutida no passado, durante o governo de Jair Bolsonaro, mas não avançou após resistências por parte da esquerda. Na época, a iniciativa foi tratada como uma tentativa de criminalizar a atuação de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).
A versão de 2019, relatada pelo então deputado Major Vítor Hugo (PL-GO), incluia a criação de um órgão de contraterrorismo no país, infiltração de agentes, acesso rápido a dados e geolocalização, além de cooperação militar e internacional ampliada — o que na época foi classificado de "KGB do Bolsonaro".
Autor do projeto em discussão, o deputado Danilo Forte (União-CE), nega que a atual versão tenha como objetivo a aplicação da lei contra movimentos sociais e cita que os dispositivos previstos no texto têm como foco "organizações criminosas e milícias privadas". "Essa disposição assegura que a legislação antiterrorismo não será utilizada para coibir manifestações legítimas, que são parte essencial do exercício democrático e da liberdade de expressão", afirma o deputado na justificativa do projeto.
Governo é contra mudança na lei
Apesar da ressalva feita pelo autor do texto, a proposta reacende o temor de integrantes do governo e parlamentares aliados sobre o uso da legislação para criminalizar movimentos sociais. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT, classificou a proposta como um “retrocesso perigoso”:
— Isso é um absurdo completo e o governo vai orientar contrário. O terrorismo tem motivações políticas, ideológicas, o narcotráfico não. Digo que pode aumentar pena e fazer o que quiser, mas não misturar as coisas — disse o petista.
Para o governo Lula, há risco de distorção jurídica e de uso político da tipificação. A avaliação é que o conceito de terrorismo deve permanecer restrito a motivações políticas, ideológicas ou religiosas, como defendido pelo Brasil em foros internacionais.
O Itamaraty e o Ministério da Justiça já se opuseram, em gestões anteriores, a tentativas de incluir facções latino-americanas em listas de terrorismo — posição que o Planalto quer manter.
Outro ponto citado por governistas é que a designação de um grupo crimOnoso como terrorista poderia abrir brechas para intervenções externas no Brasil. Isso acontece porque, ao declarar oficialmente uma organização como terrorista, o Estado reconhece que ela constitui uma ameaça à segurança e, segundo tratados internacionais, poderia justificar uma ação como as realizadas pelos Estados Unidos em países como Paquistão, Iêmen e Somália.
Apoio do Centrão
A proposta ganhou fôlego nesta semana após uma reunião da bancada do PP com Derrite, que deve assumir a relatoria do texto. O partido sinalizou apoio integral à aprovação. Integrantes de União Brasil, MDB e PSD também se mostram favoráveis “sob reserva”, avaliando que a redação é equilibrada e não reproduz as distorções do projeto apresentado na gestão Bolsonaro.
— Nós teremos um aumento de pena exponencial, o aumento de pena encarecendo o custo do crime, que é algo que defendo há muito tempo. Estamos pensando no concurso material de crimes para pessoas que portam fuzis e que atuam no tráfico de drogas, para que as penas possam ser acumuladas — afirmou Derrite.
O deputado Júlio Lopes (PP-RJ), um dos defensores da medida, diz que o foco deve ser o poder paralelo exercido por facções, e não a motivação política.
— Não é a intencionalidade, se é política ou é religiosa, é a forma como o crime é cometido, pela ofensividade e pela letalidade, como prevê a legislação de outros países. Além disso, nessas áreas os criminosos assumem as funções do Estado, cobram pela internet, pela água, pela luz, pelo gás, decidem quem entra e quem sai. Quem assume funções do Estado comete o crime de terror — afirmou o parlamentar.
O projeto de Danilo Forte altera a legislação para incluir o “controle de área territorial” como motivação de atos terroristas, define o que são infraestruturas críticas — portos, aeroportos, hospitais, escolas, instalações de energia, telecomunicações, bancos e data centers — e cria uma majorante de 1/3 para ataques realizados por meio digital.
Também estende a aplicação da lei a organizações criminosas e milícias que pratiquem atos de terror “para retaliar políticas públicas ou demonstrar poder paralelo”, preservando a cláusula que exclui manifestações políticas e sindicais.
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