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Curiosidade, vergonha e alucinação: as versões sobre a violação de tornozeleira eletrônica por Bolsonaro

Ex-presidente de violar a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda

Agência O Globo - 24/11/2025
Curiosidade, vergonha e alucinação: as versões sobre a violação de tornozeleira eletrônica por Bolsonaro
Foto: © AP Photo / Luis Nova

Um dos motivos que respaldaram a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de na madrugada deste sábado, a tentativa do ex-presidente de violar a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda teve uma série quatro versões para explicar o ato aparentemente irracional.

Na decisão que decretou a prisão preventiva de Bolsonaro, Moraes diz que a convocação de uma vigília de apoiadores do ex-presidente pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), prevista para a noite de sábado, somada à violação da tornozeleira, .

O relator da ação penal da trama golpista cita a violação da tornozeleira como um dos indícios de que o ex-presidente planajeria uma fuga, que poderia ser realizada durante a aglomeração de apoiadores nas imediações da residência de Bolsonaro. O ex-presidente estava preso preventivamente em sua casa, em Brasília, desde 4 de agosto, por ter descumprido medidas cautelares impostas a ele, como a proibição de gravar vídeos para apoiadores e de fazer uso de redes sociais, ainda que indiretamente.

“O Centro de Integração de Monitoração Integrada do Distrito Federal comunicou a esta Suprema Corte a ocorrência de violação do equipamento de monitoramento eletrônico do réu Jair Messias Bolsonaro, às 0h08min do dia 22/11/2025. A informação constata a intenção do condenado de romper a tornozeleira eletrônica para garantir êxito em sua fuga, facilitada pela confusão causada pela manifestação convocada por seu filho”.

1. Bateria

Mesmo antes da divulgação do vídeo em que a agente da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal avalia os danos ao equipamento e conversa com Bolsonaro sobre a motivação, seus aliados afirmavam, sob reserva ou mesmo publicamente, que sua intenção não era fugir e que o que Moraes chamava de violação do equipamento poderia ter sido, na verdade, apenas o esquecimento, por parte de Bolsonaro, de carregar o aparelho.

Essa versão foi desmentida ainda na tarde de sábado, com a divulgação do vídeo feito pela diretora-adjunta da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape), Rita de Cássia Gaio Siqueira, em que ela mostra o aparelho preso à perna de Bolsonaro claramente danificado.

2. Curiosidade

O próprio Jair Bolsonaro diz à diretora-adjunta da Seape, durante vídeo gravado após a violação da tornozeleira, que aplicou ferro quente no equipamento por “curiosidade”.

No vídeo, gravado ainda na noite de sexta para sábado, Rita de Cássia trava o seguinte diálogo com Bolsonaro:

— O senhor usou alguma coisa para queimar isso aqui? — perguntou a policial.

— Meti ferro quente aí. Curiosidade — responde Bolsonaro.

— Que ferro foi? Ferro de passar?”

— Não, ferro de solda.

— Aquele que tem uma ponta? — questiona a policial, ao que Bolsonaro confirma.

— O senhor tentou puxar a pulseira também? — pergunta Rita de Cássia.

— Não, não, isso não — responde Bolsonaro.

— Pulseira aparentemente intacta, mas o case violado. Que horas o senhor começou a fazer isso, seu Jair? — questiona novamente a policial.

— Lá pro final da tarde — diz o ex-presidente.

3. Vergonha dos parentes

Durante a realização da vigília com apoiadores de seu pai, na noite de sábado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse de ter de estar com o equipamento diante de quatro de seus irmãos, que o visitaram na tarde de sábado.

— O Bolsonaro estava lá com familiares dele, inclusive que vieram de São Paulo. Eu fico tentando imaginar por que ele teria feito isso (danificado a tornozeleira). Eu acho que pode ter sido ali algum ato de desespero dele, talvez, porque, não sei, eu estou aqui conjecturando, pode ter sentido vergonha perante familiares dele que vieram em São Paulo, os irmãos dele que vieram de São Paulo para cá e viram ele numa situação como essa. E ele se indignou e tentou mexer na tonozeleira — afirmou Flávio Bolsonaro.

O senador negou que o ex-presidente tivesse a intenção de fugir.

— Não consigo imaginar qual seria a possibilidade do meu pai conseguir caminhar, talvez mais de 1 km de lá até aqui com uma possível aglomeração que tivesse aqui nesse local que a gente tá fazendo, onde já aconteceram várias outras vigílias e a gente tem a esperança de que o povo está conosco — afirmou Flávio Bolsonaro.

4. Alucinação, paranoia e surto

Neste domingo, Bolsonaro disse, em sua tornozeleira eletrônica e também uma "certa paranoia", que o motivaram a danificar o equipamento com um ferro de solda. O ex-presidente disse que agiu sozinho e que o equipamento que usou já estava em sua casa. Ao final do depoimento, a prisão preventiva de Bolsonaro foi mantida.

"O depoente afirmou que estava com 'alucinação' de que tinha alguma escuta na tornozeleira, tentando então abrir a tampa", diz a ata da audiência, que durou meia hora neste domingo.

Ainda na noite de sábado, essa versão foi encampada pela deputada federal Bia Kicis (PL-DF). “Ele começou a ouvir um barulho que vinha da tornozeleira. A tornozeleira começou a fazer um barulho, ele achou estranho, achou que pudesse haver uma escuta naquela tornozeleira, então ele a abriu. Ele podia ter cortado a alça, mas ele não tentou tirar”, relatou a parlamentar nas redes sociais.

Além disso, Jair Bolsonaro relatou na manhã deste domingo a seus médicos ter tido um quadro de “confusão mental e alucinações” na noite de sexta-feira.

Em boletim anexado à manifestação de sua defesa ao STF para explicar a violação da tornozeleira, os médicos do ex-presidente dizem que o episódio pode ter sido resultado do efeito colateral da Pregabalina, receitada a Bolsonaro pela médica Marina Pasolini, que não é integrante da equipe que cuida do ex-presidente.

No documento, os médicos Claudio Birolini e Leandro Echenique afirmam que o quadro foi "possivelmente induzido pelo uso do medicamento Pregabalina, receitado por outra médica, com o objetivo de otimizar o tratamento, porém sem o conhecimento ou consentimento" da equipe médica do ex-presidente.

A Pregabalina é um remédio anticonvulsivante e modulador de dor neuropática. No boletim médico, Birolini e Echenique dizem que "esse medicamento apresenta importante interação com os medicamentos que ele (Bolsonaro) utiliza regularmente para tratamento das crises de coluço (Clorpromazina e a Gabapentina) e tem como reconhecidos efeitos colaterais, a alteração do estado mental com a possibilidade de confusão mental, desorientação, coordenação anormal, sedação, transtorno de equilíbrio, alucinações e transtornos cognitivos".

Os médicos de Bolsonaro ressaltam que o uso da Pregabalina foi "suspenso imediatamente, sem sintomas residuais neste momento" e que vão realizar avaliações periódicas no ex-presidente.